A fadiga da proteção e a fadiga da compaixão

Publicado a

A fadiga da proteção e a fadiga da compaixão não são exatamente a mesma coisa, mas estão intimamente ligadas e, muitas vezes, surgem juntas, especialmente em contextos de cuidado, escuta e acolhimento.

A fadiga da proteção é um tipo de esgotamento psicológico que afeta pessoas que se dedicam a proteger os outros - especialmente crianças, jovens ou pessoas vulneráveis - e que, ao longo desse processo, enfrentam resistência, desvalorização ou culpabilização constante. É comum entre profissionais que atuam com ética e responsabilidade, mas que são sistematicamente desacreditados, julgados ou isolados por colegas, instituições ou pela própria sociedade. Surge quando alguém vive em estado de alerta permanente, tentando evitar o mal, mesmo quando não encontra apoio externo.

Já a fadiga da compaixão é o desgaste emocional provocado pela exposição contínua ao sofrimento dos outros. Afeta sobretudo quem escuta relatos de dor, trauma, abuso ou violência com frequência, e sente que precisa estar sempre disponível, forte e acolhedor.

Os sintomas da fadiga da proteção incluem exaustão emocional, sensação de impotência, sobrecarga por responsabilidade e medo de falhar. Já quem sofre de fadiga da compaixão pode experimentar apatia, distanciamento emocional, irritabilidade, sensação de vazio e dificuldade em sentir empatia.

Embora sejam distintas, essas fadigas podem coexistir. Isso acontece quando alguém está constantemente a proteger e, ao mesmo tempo, acolhe dor e sofrimento. O impacto emocional é profundo - e muitas vezes invisível. Alguns contextos são especialmente vulneráveis a essas experiências. A fadiga da proteção pode surgir, por exemplo, num pediatra que denuncia suspeitas de abuso infantil e é ignorado ou criticado, num assistente social acusado de “exagerar” ao tentar proteger uma criança, ou num professor que aborda temas de sexualidade com responsabilidade e é atacado pelos pais ou pela escola. Já a fadiga da compaixão é comum, por exemplo, entre enfermeiros que

acompanham doentes oncológicos ou em contexto de urgência, terapeutas que intervêm em casos de violência familiar, ou mesmo padres que escutam, em confissão, relatos de abuso e sofrimento profundo.

Lidar com estas fadigas exige cuidado. É fundamental reconhecer o desgaste como legítimo, e não como uma fraqueza, e aceitar os próprios limites, entendendo que não é possível salvar todos, mas que é possível estar presente com dignidade. Criar redes de apoio, envolvendo colegas, supervisores ou grupos que partilhem os mesmos valores, pode também aliviar o peso emocional. Importa ainda praticar estratégias de autocuidado, seja por meio do descanso, do silêncio, da arte, da oração ou da terapia, tentando preservar a saúde emocional. Documentar as ações e decisões também ajuda a proteger-se institucionalmente. Por fim, é importante reafirmar o propósito para aumentar a motivação (lembrar-se por que escolheu cuidar, proteger e agir com integridade) e formar para partilhar, capacitando outros para que a responsabilidade seja coletiva.

Estas fadigas não são sinal de fraqueza. São sinal de coragem.

Quem protege, escuta e acolhe - mesmo quando é muito difícil - sustenta os pilares de uma sociedade mais justa e protetora.

Diário de Notícias
www.dn.pt