A Ética Republicana vai à Escola?
Regresso à coincidência entre o Dia da República e o Dia do Professor e não apenas porque o professorado foi um dos esteios, em Portugal, da disseminação da propaganda republicana e da sua ideologia cívica, promovendo a Educação como a base da formação de cidadãos livres e esclarecidos.
Pelo contrário, regresso ao tema porque cada vez mais a chamada “ética republicana” (que tantos evocam, mas poucos praticam) se encontra arredada do quotidiano escolar, em especial do seu modelo de gestão, atropelando princípios fundamentais do regime democrático e liberal que temos.
Vou concentrar-me, por agora, em dois deles: a separação de poderes e a limitação dos mandatos.
Quanto à separação de poderes, escrevi há cerca de três meses neste espaço um artigo acerca da “Escola Iliberal” no qual descrevia como os diretores têm assento em todos os órgãos de gestão das escolas, para além das suas funções executivas. Presidem ao Conselho Pedagógico e à sua Secção de Avaliação do Desempenho Docente e ao Conselho Administrativo e participam como “observadores” no Conselho Geral que tem, entre outras, a função de fiscalizar e avaliar o seu desempenho. Esta amálgama é evidentemente limitativa do funcionamento de órgãos com competências específicas próprias, até porque, formalmente, o Diretor é um órgão de natureza executiva, mas, na prática, supervisiona a avaliação dos docentes que fazem parte quer do Conselho Pedagógico, quer do Conselho geral.
Por tudo isto, qualquer reforma do modelo que respeite os ideais expressos no artigo 2.º da própria Constituição da República terá de rever esta forma de organização, limitando a presença do Diretor, desde logo no Conselho geral, mas também, aconselhavelmente, no Conselho Pedagógico.
Em relação à limitação de mandatos, que se aplica à própria Presidência da República, passo a citar, de forma alongada, um texto de Jorge Miranda que condensa tudo aquilo que eu poderia escrever, sem a autoridade do autor: “A limitação do tempo de exercício de qualquer cargo político assenta em vários fundamentos. Decorre do princípio republicano como expressão qualificada de democracia, que exige não só o banimento da hereditariedade mas também o acesso do maior número possível de cidadãos, por igual, a esses cargos ao longo dos anos.
Decorre do princípio do Estado de direito, que exige salvaguardas contra a personalização, a concentração e, não raro, o abuso do poder em que tendem a cair, como a experiência demonstra, aqueles que se vão perpetuando nos mesmos cargos.
(…) Objetar-se-á talvez que, assim, se limita a própria democracia, por se impedir o povo de, querendo, manter no poder aqueles em quem confia. Sim, limita a democracia, mas a democracia em Estado de direito, a democracia pluralista e representativa do Ocidente, é sempre uma democracia limitada.” (Público, 21 de Abril de 2024)
No entanto, na gestão escolar estes princípios estão em estado comatoso e arriscam-se a assim continuar se, como se vai sabendo por entrelinhas, a anunciada reforma do modelo contemplar uma “limpeza” dos mandatos dos diretores em exercício e o início de uma nova contagem, como já aconteceu num passado não muito remoto, permitindo carreiras de décadas no poder, impedindo a renovação do pessoal dirigente e cristalizando uma lógica de dependência hierárquica.
Prolongar esta situação, agravando-a, seria a demonstração de que a ética republicana deixou de ir à escola.