A estratégia de Putin

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As chamadas exigências de Putin não são, na verdade, propostas negociais. São instrumentos de pressão, construídos para moldar a narrativa e colocar o Ocidente na defensiva. No seu “programa” de 28 pontos, o Kremlin apresenta condições que não só ultrapassam qualquer enquadramento realista para um acordo de paz, como procuram reescrever regras fundamentais da ordem internacional.

Entre os exemplos mais flagrantes está a exigência de travar a expansão da NATO – uma decisão que cabe exclusivamente à própria Aliança e aos Estados soberanos que nela desejem entrar. Pretender condicioná-la externamente é negar a autonomia política europeia e norte-americana.

Segue-se a proposta de reintegrar a Rússia no grupo das economias avançadas, como se tal dependesse de um tratado de paz e não da vontade soberana dos membros que compõem esse foro. A mensagem implícita é clara: Moscovo exige privilégios políticos enquanto prossegue uma guerra de agressão.

Ainda mais preocupante é a tentativa de impor uma amnistia para criminosos de guerra. Mesmo que a Ucrânia possa tomar decisões relativas ao seu próprio território e jurisdição, nenhuma negociação pode anular processos da justiça internacional, nomeadamente os do Tribunal Penal Internacional. A guerra trouxe crimes documentados; fingir que não existiram seria uma capitulação moral e jurídica.

Tudo indica que estas condições não foram formuladas para serem aceites. Pelo contrário: são tão provocatórias que parecem feitas para garantir a rejeição e permitir a Putin acusar o Ocidente de bloquear a paz. Trata-se de uma estratégia conhecida – criar impasses artificiais, inflamar tensões e inverter responsabilidades. No fundo, é esta a estratégia de Putin. Pedir o impossível para ser recusado e dizer que foi a Europa, os Estados Unidos e em particular, a Ucrânia, que não desejaram a paz. É assim, justificar a continuação da guerra ou, até, levar que esta tenha outras ramificações.

Perante isto, a resposta necessária é simples: dizer não. Não a imposições que violam princípios básicos. Não a condições que distorcem a realidade. Não à chantagem diplomática. É preferível rejeitar firmemente do que permitir que tais “exigências” se transformem em norma. Como aconteceu com Chamberlain, as cedências levaram ao inevitável. E a História repete-se.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS). Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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