Os argumentos, claro, são sempre os mesmos: a segurança dos mais frágeis da sociedade. Pior! Das nossas crianças. E desta forma, na União Europeia, no Reino Unido ou até na Austrália, vai-se criando o pesadelo antevisto por George Orwell, Aldous Huxley ou Ray Bradbury, do Estado que tudo vê, tudo controla, com vista ao pensamento único.Só que, ao contrário do que estes autores acreditaram em meados do século passado, este “novo fascismo” não vem da extrema-direita. Pelo contrário. Surge da esquerda dita “moderada” e até da chamada social-democracia (cada vez mais encostada ao socialismo), amedrontadas pelos movimentos a que chamam de “extrema-direita” que, na realidade, muitas vezes mais não são – veja-se Meloni em Itália ou Milei na Argentina – do que o povo farto de décadas de incompetência ou da teima em soluções que a História já por demais demonstrou serem falidas à nascença.Na União Europeia, o centro político apoiado pela direita securitária está prestes a fazer passar o chamado ChatControl. O sistema visa analisar automaticamente o conteúdo de todas as comunicações privadas dos utilizadores na UE, através do chamado "client-side scanning". Assim, antes de uma mensagem, foto ou vídeo ser encriptado e enviado, haverá um software instalado no seu telemóvel ou computador que digitaliza autonomamente o conteúdo e, se considerar que há “material proibido”, avisa as autoridades. Simples não é? Claro que o argumento para a ideia é apanhar material de abuso sexual infantil, mas isto simplesmente entrega ao Estado (que é quem programa a app que será instalada obrigatoriamente no aparelho) a definição do que será sinalizado. Pelo que a expansão dos parâmetros, bem, depende de quanto confiamos nas autoridades -- que, desta forma, consideram cada um de nós, à partida, um suspeito. Já para não falar da "mera" dúvida de ser legítimo, ou não, esse mesmo Estado obrigar-nos a instalar uma app nos nossos telefones privados. Em alguns países tentaram, durante a covid…Mas poucos governantes parecem ter dúvidas, tal é a paranoia. Tanto que neste momento são poucos os países da UE que se opõem à ideia. A Espanha do socialista Pedro Sánchez está, por exemplo, na linha da frente para a aprovação.Portugal estava, até há pouco tempo, sem posição definida, mas a pender para a aprovação. Por cá, apenas a Iniciativa Liberal está a falar no assunto, com uma posição frontalmente contra (ainda que no Parlamento Europeu os deputados do PCP e do BE têm-se mostrado também contrários). O nosso “centrão” no Parlamento Europeu, esse, tem revelado estar a favor, bem como, claro, os securitários do Chega.Quem já está numa fase mais avançada neste nível de controlo do que fazemos frente ao ecrã é o Reino Unido, com o atual governo trabalhista liderado por Keir Starmer a aplicar, de forma dura, a Lei de Segurança Online, aprovada em 2023, vigorava ainda a maioria conservadora do executivo de Rishi Sunak.No país que era famoso pelo seu speaker’s corner, em Hyde Park, onde qualquer pessoa podia dizer o que quisesse (até falar mal do rei!) sem que nada lhe acontecesse, hoje – em nome da proteção dos menores face a conteúdos pornográficos online… -- apenas é possível aceder livremente à internet depois de provar a uma app do Estado que é maior de 18 anos, com registo fotográfico, etc. Isto, claro, depois corre mal, porque não apenas o sistema é altamente falível, como é quase impossível pô-lo em prática. Há mesmo casos de adolescentes que ficaram impossibilitados de entrar nas configurações da placa gráfica porque a Nvidia foi detetada como “conteúdo para adultos”!Além disso, a fiscalização ao “discurso de ódio” no reino está num nível sem precedentes. Desde logo, deixaram (propositadamente?) a lei escrita de forma pouco definida, utilizando conceito vagos, como "conteúdo legal, mas prejudicial", ou que cause "dano psicológico que se traduza em angústia grave" seja lá o que isto quer dizer especificamente… Na prática, tudo está feito para dar uma discricionariedade tal às autoridades que, na realidade, permite que se faça a censura de discursos legítimos ou os internautas deem por si a autocensurar-se, por receio de violarem regras pouco claras. E já há casos conhecidos de detenções por meras publicações online -- até porque o simples anonimato agora praticamente tornou-se impossível, num país que nem tem (e até há pouco tempo orgulhava-se disso) um cartão de identificação universal.Já na Austrália, o governo e a sua maioria, também trabalhista curiosamente, fizeram aprovar no Parlamento, em 2024, a Lei de Segurança Online, que visava – diziam – proteger os menores de 16 anos das redes sociais, como o Facebook ou o TikTok, limitando o seu acesso a pessoas desta idade. Mas em junho o executivo decidiu que o YouTube deveria ser incluído também – com efeitos a partir de dezembro. Pelo que os miúdos australianos só têm mais cerca de quatro meses para ali ver desenhos animados (até que os pais metam uma VPN, claro…)Em todos estes casos há duas constantes: políticos medrosos (o ‘r’ também pode passar para antes do ‘d’…) e a ideia de que o poder do Estado se sobrepõe sempre ao direito individual. Aceitar isto é trair todos os que se sacrificaram para vencermos a II Guerra Mundial e a Guerra Fria.