O que esperamos nós em multidão no Forum? Os Bárbaros, que chegam hoje. Konstantin Kavafis.A situação do nosso tempo parece descrita pelo poema de Kavafis, cujos dois primeiros versos servem de epígrafe a este texto. Todos nós, que temos a felicidade geográfica de viver fora dos atuais teatros de guerra, estamos na situação daqueles romanos do poema de Kavafis que, suspendendo todas as suas atividades, esperam a chegada dos Bárbaros, porque os consideram como "uma espécie de solução" para os impasses em que vivem. Mas no final do poema revela-se o anticlímax:.Porque a noite caiu e os Bárbaros não vieram. E umas pessoas que chegaram da fronteira dizem que não há lá sinal de Bárbaros..Donde a desesperada conclusão:.E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros? Essa gente era uma espécie de solução..Talvez a explicação deste poema e a chave da nossa situação presente, tão desesperada como a daqueles romanos, seja simples e, aliás, conforme ao que a mais recente História da decadência e queda do Império Romano tem vindo a demonstrar: os Bárbaros já estão connosco e não é preciso ir esperar por eles às portas da cidade!.Os Bárbaros não eram povos inteiramente alheios ao Império, estrangeiros de outras raças e leis que vinham ocupar violentamente o lugar dos Romanos de raiz: desde o édito de Caracalla que todos os povos do Império podiam aceder à plena cidadania romana. Os Bárbaros chegaram durante séculos, pertenciam legitimamente ao Império, seguiam as suas leis e adoravam os deuses romanos como os seus próprios..CitaçãocitacaoNão vale a pena ir aí procurar os bárbaros, eles não estão fora de nós e nós não os iremos encontrar nem na miserável discriminação dos imigrantes, nem na condenável agressão russa.esquerda.A analogia com a situação do nosso tempo paramo-la aqui, para não forçarmos os paralelos históricos. Nós esperamos, e com toda a razão, qualquer coisa terrível e devastadora, que identificamos com a barbárie. E é muito fácil (mas profundamente injusto) olhar como bárbaros todos os imigrantes e, no limite, todos os estrangeiros, como é igualmente fácil e errado, embora não destituído de alguma parte de justiça, identificar a barbárie com essa guerra anacrónica de reconquista nacional em que os líderes russos decidiram afundar o seu país. Mas não, não vale a pena ir aí procurar os bárbaros, eles não estão fora de nós e nós não os iremos encontrar nem na miserável discriminação dos imigrantes, nem na condenável agressão russa..Como aconteceu durante a queda do Império Romano, os bárbaros vivem connosco: constroem redes de mentiras e teias de dinheiro sujo, encontram soluções fascistas para a crise, perseveram na destruição climática do planeta, privilegiam os voláteis capitais financeiros sobre os investimentos produtivos e os salários justos, orquestram a destruição e a ruína. Nós continuamos a parar as nossas atividades e a acorrer às portas da cidade à espera dos bárbaros, sem nos darmos conta que eles estão junto de nós..Os bárbaros que se anunciam por todo o lado, de Trump a Meloni, de Le Pen a Bolsonaro, como portadores daquela "espécie de solução", que os líderes políticos romanos do poema de Kavafis (senado, imperador, cônsules e pretores) esperavam da barbárie, representam o lado mais espalhafatoso da decadência. A queda está a ser tecida pela nossa própria máquina social..Mas, tal como sucedeu na queda do Império Romano, não será o fim da Humanidade! Apenas um ligeiro atraso de séculos.... Diplomata e escritor