À espera de milagres

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O Hezbollah não vai acabar depois da morte de Hassan Nasrallah. Como também não acabou em 1992, quando o antecessor de Nasrallah foi morto. Há toda uma base social de apoio entre a comunidade xiita libanesa, também algum apoio de outros setores da sociedade libanesa que veem a milícia como um movimento de resistência, e sobretudo há o apoio do Irão.

Não esquecer que, tanto ao manter Israel sob ataque na sua fronteira norte, ao mesmo tempo que enfrenta o Hamas em Gaza, como ao ajudar a salvar Bashar Al-Assad na Síria, o Hezbollah tem uma longa folha de serviço que conta muito para o Irão. É altamente provável, aliás, que tenham sido preparados sucessores, até por Israel não esconder que Nasrallah desde há muitos anos era um alvo.

E ninguém sabe melhor do que a liderança israelita, seja civil ou militar, que o que aconteceu em Beirute não pode ser considerado uma vitória definitiva sobre um inimigo figadal. Também o Hamas viu já vários líderes serem eliminados, de Ismail Haniyeh, há semanas, ao xeque Yassine em 2004, e continua a tentar destruir Israel. Mas é certamente uma vitória, com todo um simbolismo, e que pode trazer outras vitórias.

O golpe desferido ao Hezbollah, não só ao líder, mas também a muitos outros militantes e à própria infraestrutura do grupo, estará certamente a preocupar os inimigos regionais de Israel, e a informação de que o ayatollah Ali Khamenei foi transferido para local ultrasseguro é reveladora. O poderio militar israelita confirma-se como imenso, a sua capacidade de recolha de informação, seja por via tecnológica, seja através de agentes infiltrados, comprova o mito.

O Hezbollah sem dúvida acumulou erros estratégicos nos últimos tempos. E ao longo dos anos. Se em 2000, depois da retirada de Israel do sul do Líbano, tivesse adotado um papel mais de partido político e menos de milícia armada, teria conquistado a admiração de grande parte dos libaneses. Mas com a guerra de 2006 e os ataques a Israel no último ano, em solidariedade com o Hamas, levou à destruição de muita da infraestrutura do Líbano e ao empobrecimento de um país que, antes da Guerra Civil de 1975-1990, chegou a ser um oásis no Médio Oriente.
Não só o Líbano está hoje semidestruído, como o próprio Hezbollah pode estar mais fraco do que nunca. O que levou o Hezbollah a tantos erros? É difícil saber, mas seguir uma agenda que não é meramente nacional explica em parte.

Israel, por seu lado, não está em condições de fazer erros estratégicos. A exibição de força reforça o moral da sociedade e assusta os inimigos. Mas nada disfarça o facto de que é um pequeno país, cercado de hostilidade e muito isolado internacionalmente. Tão isolado que um ano depois do massacre do 7 de Outubro pelo Hamas, em que houve mais de 1200 mortos e mais de 200 reféns foram levados para Gaza, as manifestações nas ruas europeias ou americanas são de apoio aos palestinianos, e há países europeus a reconhecer a Palestina como Estado. Os mais de 40 mil mortos em Gaza põem muita gente contra Israel, mesmo alguns que não o fazem como regra. Mesmo gente que abomina o Hamas e a sua lógica de terror.

Estamos mais próximos de uma guerra alargada no Médio Oriente? Estamos. É inevitável? Ainda não. Mas todos os lados, estejam de momento a ganhar ou a perder, parecem só acreditar na força. Ser diplomata naquela região, querer dialogar, tentar procurar soluções de paz, hoje é uma tarefa para milagreiros.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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