A era dos estados tributários não volta
Nas recentes tarifas elevadas decretadas, o governo dos EUA alegou vários propósitos: (i) restabelecer a “reciprocidade comercial”; (ii) proteger a indústria nacional e fomentar novas indústrias nos EUA; (iii) arrecadar receita pública; (iv) [re]negociar acordos comerciais mais favoráveis.
Todavia, o propósito principal foi mencionado pelo principal conselheiro económico de Trump, Stephen Miran, que revelou que a estratégia de Washington é utilizar as tarifas para obrigar os países a pagar tributos aos EUA para manter o seu império militar e financeiro global. Esta é a ideia por detrás do chamado “Acordo de Mar-a-Lago”.
Miran, presidente do Conselho de Assessores Económicos dos EUA, fez um discurso no dia 7 de abril, no qual delineou a estratégia tarifária da administração Trump (uma transcrição oficial dos seus comentários foi publicada pela Casa Branca). Miran afirmou que os EUA fornecem dois principais “bens públicos globais”: (i) um “guarda-chuva de segurança” através das forças armadas norte-americanas; e (ii) o dólar e os títulos do Tesouro, que são utilizados como principal ativo de reserva no sistema financeiro internacional. Para Miran, “é necessário melhorar a distribuição de responsabilidades a nível global”, acrescentando que “se outras nações quiserem beneficiar do guarda-chuva geopolítico e financeiro dos EUA, então precisam de dar o seu contributo e pagar a sua justa parte”.
Miran não põe ênfase no equilíbrio das trocas comerciais entre os EUA e os principais blocos económicos. Mesmo que a UE afirme que tenciona comprar biliões de gás americano, quem compra produtos são as pessoas e as empresas, não os estados ou a Comissão Europeia. Pelo que o défice da balança comercial americana em relação à UE se manterá, como se manterá o superavit americano na balança de serviços.
O “guarda-chuva de segurança” da Pax Americana não foi propriamente estabelecido por motivos altruístas, mas como mecanismo imperialista de manutenção da hegemonia militar dos EUA a nível mundial. No domínio militar, a postura deste governo norte-americano e a imprevisibilidade política no país no devir próximo diminuem a probabilidade de países aliados comprarem equipamento militar americano. No que tange à pretensão de “tributos” relativos ao dólar e títulos do Tesouro dos EUA como principal ativo de reserva no sistema financeiro internacional, o tema merece um artigo específico.
Apesar de ser o primeiro governo norte-americano a reconhecer a multipolaridade, a soberba e a impreparação do seu líder não lhe permitem perceber que a era dos estados tributários (ex: a China Imperial ou o Império Otomano) com estados vassalos já acabou há muito tempo. O que Miran e Trump estão a fazer é destruir a confiança que os países tinham nos EUA.