Se um particular não pagar o IMT da compra de uma casa, o imposto é liquidado de imediato e, não se conseguindo a cobrança, a penhora do imóvel pode avançar em poucos meses. No caso das seis barragens vendidas pela EDP por 2,2 mil milhões de euros, o IMT devido (quase 100 milhões) não foi pago em 2020 e só agora, cinco anos depois, se perspetiva a sua cobrança, graças a uma decisão do Ministério Público que concluiu que o Estado tem a receber 335,2 milhões de euros em impostos (IMT, IRC e imposto do selo), mais juros de mora. Segundo dados oficiais, mais de três milhões de portugueses têm dívidas fiscais ativas, muitas de pequeno valor que, com o tempo, cresceram devido a juros e coimas. A Autoridade Tributária é implacável com estes devedores: no final de 2024 estavam em curso 23,4 milhões de processos de execução fiscal no país, a esmagadora maioria referentes a pessoas singulares e a pequenas empresas. Já os “grandes devedores” – cerca de 21.500 contribuintes, entre empresas e alguns milionários – acumulavam dívidas de 16,9 mil milhões de euros, representando 62% do total da dívida fiscal registada. Porém, grande parte desse montante é considerada incobrável ou a sua cobrança está suspensa em litígios que nunca mais terminam. Este caso emblemático expõe como as grandes empresas conseguem pagar poucos impostos, explorando contradições legais e isenções fiscais. No negócio das barragens, a EDP, assessorada por escritórios de advogados especializados em “engenharia fiscal” e na desresponsabilização criminal das empresas através de pareceres jurídicos formais que dão cobertura legal a operações mais do que duvidosas, aproveitou-se de disposições de neutralidade fiscal concebidas para reestruturações, aplicando-as, falsamente, numa venda comercial. Não percebo porque não é crime... Há também a costumeira cumplicidade do poder político. O ministro com o pelouro da época, Matos Fernandes, do governo PS, deu aval a esta “fuga” fiscal, dizendo publicamente que era legal, enquanto a Autoridade Tributária atirou o caso para o Ministério Público e nada fez. O atual governo segue o mesmo diapasão: face a nova incerteza na fiscalidade jurídica, propôs agora mudanças ao Código do IMI relativas a barragens, eólicas e fotovoltaicas que, em vez de defenderem o interesse público, eliminam todo o imposto a pagar por elas – o que foi apelidado de “verdadeiro jackpot para a EDP e concessionárias” pelo Movimento Cultural Terra de Miranda. O emaranhado legislativo português conta com centenas de benefícios, exceções e regimes especiais. Porém, de acordo com a Autoridade Tributária, apenas 20 grandes empresas capturaram 518 milhões de euros em benefícios fiscais num só ano, 16,5% do total nacional. No topo dos beneficiários está a indústria automóvel e, logo em segundo lugar, a EDP, com cerca de 49 milhões de euros num ano – mais de um quarto dos benefícios dados às empresas do índice PSI-20. Esta é a mesma EDP que pode, na companhia da francesa Engie, responsável pelo IMT em falta, recorrer da decisão do Ministério Público. No mínimo, conseguir-se-ia assim protelar o pagamento dos 335 milhões em dívida durante muitos anos mais. E, se calhar, nunca pagarão... até pode, entretanto, surgir uma amnistia! E já nem falo do erro que é este país ter infraestruturas energéticas na posse de empresas privadas estrangeiras! Em tempos de guerras, é mesmo de loucos! Jornalista