A democracia refém da censura ideológica?

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A liberdade de expressão é, e sempre será, o pilar de qualquer democracia. É através dela que se constrói o debate, se confrontam ideias e se moldam sociedades mais justas e transparentes. No entanto, em Portugal, esse princípio fundamental começa a ser posto em causa. Temos vindo a assistir, de forma crescente, a uma nova forma de censura, mais subtil, mais silenciosa, mas igualmente perigosa. Já não se trata de calar pela força, mas de silenciar pela estratégia, de excluir pela conveniência política.

O país que nasceu da liberdade do 25 de Abril vê, hoje, sinais preocupantes de regressão. Há cada vez mais tentativas de condicionar o discurso político, de marginalizar quem representa a diferença e de ridicularizar quem ousa questionar o sistema. É um processo lento, mas eficaz: primeiro desvalorizam, depois distorcem, e, por fim, apagam.

O caso recente da tentativa de retirada de cartazes políticos é o exemplo mais evidente deste fenómeno. Um ato que, mais do que administrativo, representa um ataque direto à liberdade de expressão política. É a primeira vez, desde a instauração da democracia, que se tenta calar uma candidatura através da remoção de mensagens políticas do espaço público. Não estamos perante uma simples questão técnica ou estética estamos perante um ato de censura ideológica, envolvido em burocracia. Uma jogada política, feita no momento certo, para obter o resultado pretendido: calar um candidato.

É este o novo rosto da censura em Portugal. Já não há proibições formais, há pressões institucionais e tribunais mediáticos. E quem ousa discordar, é imediatamente rotulado de “extremista”, “populista” ou “radical”. Mas quem define esses rótulos? Quem decide o que é aceitável ou não no debate democrático? A liberdade de expressão não pode depender da aprovação dos mesmos que controlam o discurso dominante.

Vivemos tempos em que o pensamento único se disfarça de tolerância, em que a divergência é confundida com ameaça, e em que o silêncio é vendido como prudência. A verdade é que quando se tenta calar um candidato, não se atinge apenas uma pessoa atinge-se a democracia e todos os cidadãos que ele representa.

A democracia não pode existir apenas quando dá jeito. Não pode servir apenas para legitimar o poder de uns e abafar a voz de outros. A participação política deve ser livre, igual e sem condicionamentos. Nenhum poder local, regional ou nacional pode usar regulamentos, licenças, pareceres técnicos ou manobras administrativas para travar campanhas legítimas. Quando isso acontece, estamos perante um desvio perigoso: a instrumentalização do Estado contra a liberdade política.

A história ensina-nos que as democracias não morrem de um dia para o outro. Morrem aos poucos, quando o medo se sobrepõe à verdade, quando o conforto da unanimidade substitui a força do debate, e quando o silêncio se torna mais conveniente do que a coragem de falar. É por isso que este momento deve servir de alerta. A liberdade de expressão não pertence a um partido, nem a uma ideologia pertence a todos os portugueses. E quem a teme, é porque sabe que a verdade incomoda.

Não aceito viver numa democracia de pensamento único, nem ser cúmplice de um sistema que escolhe quem pode ou não falar. O futuro da política portuguesa depende da coragem de quem não se cala. Depende da convicção de que um país livre só existe quando todos têm o direito de se expressar, mesmo e sobretudo quando discordam.

O silêncio imposto é a maior vitória dos que temem o debate. Portugal não pode ser um país de vozes vazias. E enquanto houver quem queira calar, haverá sempre quem resista e fale mais alto.

Economista e deputado à Assembleia da República

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