A democracia está a falhar

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Quando o povo, mesmo que através do voto, dá poder aos antidemocratas, o politicamente correto diz-nos que isso é a democracia a funcionar, mas precisamos de tomar consciência que isso significa exatamente o contrário: a democracia não está a funcionar.

A possibilidade da extrema-direita ganhar as eleições em França, já depois de as ter ganho na Polónia, na Hungria e, antes disso, nos Estados Unidos e no Brasil é um falhanço das democracias liberais. Economias que, ao enriquecerem, produzem sociedades mais desiguais estão, ao mesmo tempo, a produzir exércitos para quem quer vencer pelo medo, pela intolerância, pelo autoritarismo. Mas não se queixem do povo, resolvam-lhe os problemas.

Os partidos racistas e xenófobos como o Chega não crescem apenas com eleitores racistas e xenófobos, crescem também com eleitores que se cansaram de serem espezinhados pelas democracias liberais, eleitores que a única herança que conhecem é a herança da pobreza. São netos de pobres, filhos de pobres e pais de pobres. E os pobres não estão sozinhos, muitos eleitores da classe média também se sentem descamisados, ao perceberem que num dia lhes abrem a porta do sucesso para no outro dia lhes anunciarem mais uma crise com a falência de milhares de famílias, incapazes de pagar o carro e a casa que julgaram ser seus. Mas sim, também é verdade que existe muito racismo em Portugal. Lamento dizê-lo, perco muito tempo a discutir com pessoas que dizem sobre os ciganos coisas muito parecidas com as que diz André Ventura. Uns votam Chega, mas outros não. Muitos até votam à esquerda.

Há por aí muito pseudodemocrata que adora as "culpas coletivas", a começar pela que atribuem aos pobres, "culpados" de serem pobres. Pode demorar mais ou menos tempo a ser assumido mas, para quem não tem nada, uma democracia sem justiça social não é o paraíso na terra. Se nunca tiverem experimentado uma ditadura ou uma autocracia, facilmente são tentados a pensar que o poder num só homem tem mais justiça que uma democracia onde tantos se deixam corromper.

Agora, no momento em que iniciamos as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, convém pôr a mão na consciência. A última crise, na sequência da pandemia, voltou a mostrar que a Democracia está doente. Enquanto cresceu o número de milionários no nosso país, cresceu também o número de pobres. O 1% dos mais ricos tem 20% da riqueza e compara com os 50% da população menos afortunada que tem apenas 6,5% dessa mesma riqueza. Cinquenta vezes mais pessoas com três vezes menos riqueza distribuída. Entre as 38 democracias da OCDE, somos a quinta que gera mais desigualdade.

Se a Democracia nos trouxe até aqui, é natural que exista muita gente sem perceber para que é que, afinal, ela serve. Por certo, não devia servir para promover a intolerância, o ódio, o racismo, a xenofobia, mas vivemos tempos perigosos em que o poder do voto está a ser usado para corromper a democracia. Por cá, se pensarmos na forma superior como a segunda figura do Estado mostrou aos racistas com assento parlamentar que o poder do voto não legitima tudo, dá para perceber que ter Augusto Santos Silva a presidir aos trabalhos na Casa da Democracia irá contribuir para a tentar salvar. Saiba o governo fazer mais e melhor do que tem feito e saibamos nós todos construir uma sociedade mais justa, condição sem a qual a Democracia estará sempre mais perto de ceder o lugar a outro tipo de regimes.


Jornalista

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