A definição de sucesso

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A Operação Contenção contra o Comando Vermelho, dia 28 de outubro, nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, matou 121 cidadãos brasileiros, entre os quais quatro polícias. 

E feriu 13 pessoas, mais nove agentes de segurança e quatro civis, dois dos quais continuam em estado grave.

Por isso, deixou uns milhares de mães, de pais, de irmãos, de filhos e de amigos dos mortos e dos feridos de luto ou em desespero.

Entretanto, o Urso, chefe do tráfico nas favelas daquelas regiões e principal alvo da operação, continua foragido. Os “vices” Pezão e Abelha, idem. Pedro Bala, o líder operacional da organização, também escapou. Gardenal, criminoso com os pelouros da segurança e da expansão territorial, é outro que continua à solta, assim como o BMW, o dirigente a quem compete arregimentar e treinar novos soldados da temida Tropa do Urso.

Por outro lado, dez em cada dez especialistas em segurança pública no Brasil, em geral, e no Rio, em particular, garantem que, mesmo após a mais letal operação policial da história do país, a insegurança vai continuar exatamente no mesmo nível, assim como continuou após todas as outras operações do género, mediáticas e inconsequentes, do passado.

No entanto, Cláudio Castro, o governador do Rio de Janeiro, considerou a Operação Contenção “um sucesso”.

Se o comandante Edward John Smith tivesse sobrevivido ao naufrágio do Titanic e classificado o passeio pelo Atlântico como um “êxito” não seria tão patético e imoral.

Além disso, a história prova que é depois de massacres como este que nascem novas organizações criminosas. O próprio Comando Vermelho foi criado como reação direta à violência e à desumanidade do sistema prisional brasileiro durante a ditadura militar, quando faltavam comida, higiene e atendimento médico mas sobravam torturas e punições arbitrárias.

Diante disso, os presos perceberam que só unidos poderiam se proteger. Da autodefesa contra a brutalidade estatal dentro das prisões, a organização passou ao ataque fora delas – até hoje.

E o Primeiro Comando da Capital, única organização criminosa maior ainda do que o CV, foi fundado, como dizem os próprios estatutos, para “combater a opressão dentro do sistema prisional paulista” e “vingar a chacina dos 111 presos”, em 2 de outubro de 1992, no “massacre do Carandiru”, a ação mais letal da polícia brasileira até ao último 28 de outubro.

Entretanto, apesar dos mortos, feridos e foragidos e das evidências da história, a aprovação à gestão do governador chegou ao índice mais elevado nos dias seguintes à operação, com 40% de opiniões “ótimo” e “bom”, segundo o instituto Datafolha, porque vivemos numa era em que quase metade da população defende sem corar a máxima medieval “bandido bom é bandido morto”.

E do julgamento, iniciado dia 4, para apurar acusações de abuso de poder económico de Castro no equivalente a 40 milhões de euros, quase não se fala.

Sim, o governador do Rio tem razão: a Operação Contenção foi mesmo um sucesso – para ele.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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