A Defesa Nacional – Novo paradigma que prioridades?

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Na última Cimeira da NATO, no passado mês de julho, nada, ou muito pouco, aconteceu. As expetativas da Cimeira eram bastante baixas, a agenda era curta, com o claro objetivo de evitar atritos, nomeadamente com o presidente americano. Numa curta Declaração Final, apenas três pontos merecem alguma reflexão: o firme compromisso de continuar o apoio à Ucrânia; o compromisso de rapidamente expandir a cooperação das indústrias de defesa entre os países aliados; e por último, o compromisso de aumentar os orçamentos de defesa para 5% dos respetivos PIB, até 2035.

Os 5% de despesa na defesa é uma falácia. Efetivamente são 3,5% do PIB, e isso já estava a acontecer na maioria dos países aliados. Dois aspetos que interessa referenciar: a Europa assumiu definitivamente a necessidade de desenvolver e investir numa defesa autónoma europeia, como forma de dissuasão dos seus inimigos, nomeadamente a Rússia; a NATO vai continuar como uma forte aliança defensiva, provavelmente com novo formato. Para os países aliados europeus, o presidente americano não é confiável. A tentativa do seu apaziguamento foi evidente.

Sem alternativa, Portugal decidiu, em consonância com os restantes aliados, aumentar o orçamento de defesa para 2% do PIB, e no médio-prazo, até 2029, subir para 3,5%. A economia nacional não suporta despesas militares superiores a 2, 2,5% do PIB, sem pôr em causa a saúde da economia e o bem-estar social dos portugueses. Referir valores superiores é puro engano ou manipulação.

O desinvestimento na defesa nos últimos 25 anos só agravou a situação; os equipamentos militares estão obsoletos, os efetivos baixaram assustadoramente, e o abandono das fileiras é constante. A decisão do aumento do orçamento das Forças Armadas (FFAA) são ótimas notícias, mas recuperar e reestruturar umas forças armadas completamente depauperadas, leva o seu tempo, talvez anos. É preciso definir estratégias e definir prioridades, compatibilizar missões e responsabilidades, nacionais e internacionais.

No âmbito da defesa nacional tudo é urgente. Com um aumento previsto do orçamento de cerca de 3 mil milhões de euros, para cerca de 6 mil milhões, fica a sensação que se começa a respirar um pouco melhor. Contudo, é urgente definir por onde começar, e isso é uma decisão que cabe ao poder político. A retenção de quadros especializados, sargentos e oficiais, é já uma emergência nas nossas FFAA. O recrutamento de efetivos é outras das áreas críticas, e é urgente formar e treinar os novos efetivos, como afirmava recentemente um alto responsável militar “de nada servem os mais modernos e sofisticados equipamentos se não tivermos gente capaz de os operar”. A retenção e o recrutamento são os setores mais urgentes e será por aí que se terá de começar o investimento. É imperioso criar melhores condições de vida e bem-estar, melhores remunerações, melhor serviço de saúde e reformular as condições da reforma dos militares.

A enorme degradação das nossas FFAA conduz à necessidade urgente de se iniciar um processo para a sua modernização. A modernização das capacidades militares envolve elevados recursos financeiros, de que o país não dispõe. Por isso será necessário um processo evolutivo onde obrigatoriamente terão de ser definidas as prioridades para a sua implementação. Com uma indústria de defesa incipiente, a maioria dos equipamentos militares terá de ser adquirida no exterior. O processo de aquisição é um processo complexo e demorado, obriga a concursos internacionais e a negociações com indústrias e países terceiros. É um processo que se prolonga no tempo.

Portugal desde a sua fundação, sempre foi um país marítimo, e o mar sempre foi, e deve continuar a ser, a nossa visão estratégica. A defesa dos mares sob a nossa responsabilidade deverá ter uma elevada prioridade, por isso, será logico, que os investimentos prioritários sejam direcionados para as capacidades aeronavais, nomeadamente na vigilância e patrulhamento desses mares.

Portugal, desde o fim da guerra em África, baseou a sua segurança e defesa na defesa cooperativa, no âmbito da NATO. A defesa cooperativa e, simultaneamente, a defesa do espaço aéreo nacional, deverão ser outras das prioridades. O processo de aquisição dos equipamentos militares é complexo e muito burocrático. Agilizar os procedimentos administrativos é uma necessidade, sob o risco de os recursos financeiros que sejam afetados à Defesa, não possam ser executados em tempo útil. É muito importante que sejam desenvolvidos novos conceitos de contratação publica aplicados ao setor da defesa.

O programa “ReArm Europe Plan” da Comissão Europeia, com um financiamento de 800 mil milhões de euros a 4 anos, é uma janela de oportunidade para o projeto do desenvolvimento de uma indústria de defesa nacional, que não deve ser desperdiçada.

Uma indústria de defesa baseia-se em dois fatores essenciais, uma boa capacidade industrial e uma forte componente de investigação científica, áreas onde Portugal é deficitário. Um forte investimento na investigação será fundamental na saúde da indústria de defesa nacional.

Membro do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES

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