A Defesa europeia: autonomia estratégica ou um novo fardo?

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A Defesa Comum não é uma questão nova na agenda política da UE, existindo desde o Tratado de Maastricht (1992), mas tornou-se rapidamente uma prioridade incontestável para quase todos, desde a guerra a Ucrânia até ao recente descomprometimento dos EUA com a NATO. No entanto, importa ter em conta que o aumento do gasto em Defesa desvia recursos de outras áreas importantes, como o Estado social, a transição climática e a ciência, além de ter impacto na dívida pública. Por isso, é fundamental explicar politicamente, de forma clara e acessível, a necessidade deste investimento.

Os líderes europeus devem esclarecer os cidadãos que o reforço na Defesa é essencial não somente para prevenir ameaças externas, mas também para a segurança e a proteção de infraestruturas críticas, do modelo político europeu e do nosso modo de vida. Para além disso, têm de demonstrar que a coordenação das forças já existentes nos Estados-membros não é suficiente, ainda que sua relevância seja inquestionável.

O investimento em Defesa vai além da produção de armas. Como foi destacado por António Costa no Parlamento Europeu na semana passada, ele inclui tecnologias avançadas, como a Inteligência Artificial e a cibersegurança, e tem impacto transversal em várias indústrias, desde a metalúrgica até à eletrónica.

Cada país da UE precisa, assim, de compreender os benefícios que este investimento pode trazer à sua economia e ao emprego, e é essencial garantir e comunicar que esse esforço será descentralizado e pode criar oportunidades para todos os Estados-membros, com projetos promovidos no âmbito da Cooperação Estruturada Permanente (CEP).

Em Portugal, por exemplo, há questões importantes a serem respondidas. Estamos preparados para explorar as nossas potencialidades nesse setor? Que centros de investigação podem integrar consórcios europeus? Temos planos de formação para qualificar as pessoas necessárias?

É ainda fundamental assegurar que este investimento promove uma verdadeira autonomia estratégica europeia, evitando novas dependências, incluindo dos EUA. A pandemia e a guerra na Ucrânia destacaram a vulnerabilidade da UE e a sua dependência de cadeias de abastecimento globais, o que levou à aprovação de medidas e pacotes de investimento em áreas críticas como a Inteligência Artificial, tecnologias quânticas, semicondutores e a industrialização neutra em carbono.

Em suma, a Defesa europeia não é apenas sobre armas e segurança militar, para preservar a paz; é também um compromisso com a inovação, a independência tecnológica e a autonomia da União. Se este investimento na Defesa não for meticulosamente planeado, transparente e focado em objetivos reais de autonomia estratégica, correremos o risco de perpetuar, ou mesmo agravar, desequilíbrios dentro da União, ao invés de construir uma Europa verdadeiramente soberana e coesa, preparada para os desafios do futuro.

Ex-deputada ao Parlamento Europeu

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