A Crimeia acabou?
O que vai acontecer à Ucrânia? As dúvidas são, ainda, muito maiores que as certezas.
Bryan Lanza, aliado de Donald Trump, diretor de Comunicação da equipa de transição em 2017, afirma que a próxima Administração norte-americana vai concentrar-se em alcançar a paz na Ucrânia - e não em permitir que o país recupere o território ocupado pela Rússia. Este estratega republicano afirmou à BBC que o Governo liderado por Trump pedirá ao presidente ucraniano uma “visão realista para a paz”.
“Se o presidente Zelensky vier à mesa e disser: bem, só poderemos ter paz se tivermos a Crimeia, ele mostra que não está a falar sério. A Crimeia acabou”, decretou Lanza.
O primeiro sinal está dado: a Ucrânia terá de aceitar cedências territoriais, se quiser beneficiar de algum tipo de ajuda militar da futura Administração Trump. A questão está na extensão dessas cedências: só mesmo a Crimeia? Todo o Donbass? Uma separação pela diagonal do Rio Dnipro?
Poderá haver duas sensibilidades no círculo de Trump, quanto à questão ucraniana: uma, protagonizada pelo futuro vice-presidente J.D. Vance, que remete para uma via isolacionista, que deixaria a Ucrânia como mera questão para os europeus resolverem; outra, herdeira dos “súper falcões”, aponta para “a paz pela força” e implicará uns EUA a imporem à Rússia uma paragem da agressão pela via da dissuasão.
Elise Stefanik na ONU
Já começam a surgir as primeiras escolhas do futuro Presidente. Elise Stefanik, congressista de Nova Iorque, 40 anos, a quarta republicana mais importante na Câmara dos Representantes, é a escolha de Donald Trump para Embaixadora dos EUA na ONU.
“Elise é uma lutadora incrivelmente forte, tenaz e inteligente pela América”, justificou Donald. “Sinto-me realmente honrada por receber a nomeação do presidente Trump para servir no seu gabinete como embaixadora dos EUA nas Nações Unidas”, reagiu a congressista.
A escolha de Stefanik diz muito sobre a lógica que deverá presidir à futura Administração: a obediência e a lealdade serão qualidades fundamentais para a aprovação do presidente.
Elise Stefanik estava entre os 147 congressistas republicanos que votaram contra a certificação da vitória eleitoral de 2020 do então presidente-eleito Joe Biden, a 6 de janeiro de 2021, horas depois de terem sido alvo dos invasores do Capitólio (139 na Câmara dos Representantes, oito senadores). Elise foi, de resto, a primeira integrante da Câmara a endossar Trump nesta terceira candidatura presidencial à Casa Branca e chegou a estar na shortlist para a Vice-Presidência.
É a segunda mulher entre as primeiras nomeações de Trump, depois da escolha de Susie Wiles para chief of staff. Na Presidência 2017-2021, Donald Trump escolheu a então governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, para as Nações Unidas. Nikki viria a sair dois anos depois e, ainda que não tenha assumido rutura com o presidente (ao contrário de muitos outros ao sair), acabou por ser a grande rival de Trump nas Primárias. Trump já garantiu que Nikki Haley não fará parte desta segunda Administração.
Durante a campanha, Elise reagiu a Mark Cuban, empreendedor e ator americano, apoiante de Kamala, que havia dito que Trump só se rodeava de mulheres submissas e que não o desafiariam. Num vídeo, Stefanik ripostou: “Tenho o orgulho de ser a mulher de mais alta patente no Congresso dos Estados Unidos. Sou a mulher mais graduada no Comité de Serviços de Armas da Câmara, no Comité de Inteligência da Câmara e orgulhosamente voto e apoio o presidente Trump.”
Formada em Harvard, Elise ensinou Educação Cívica a alunos de escolas públicas em Boston e Cambridge e ajudou a administrar um grupo de estudos sobre o falecido Ted Sorensen, redator de discursos do ex-presidente John F. Kennedy. Mas o facto de ser negacionista do triunfo de Joe Biden em 2020 fez com que Elise Stefanik fosse removida do conselho consultivo de Harvard.
Com 30 anos, foi, na altura, a mulher mais jovem a chegar ao Congresso (entretanto ultrapassada pela democrata Alexandria Ocasio-Cortez). Na campanha presidencial de 2016 chegou a ser crítica de Trump em temas como a construção do muro e a retórica agressiva sobre mulheres e muçulmanos.
Numa basculação política difícil de compreender e, de certo modo, idêntica à que fez J.D. Vance, por volta de 2019, Elise Stefanik, até então conhecida por estar aberta a dialogar com os democratas no Congresso, virou e passou a ser uma fervorosa apoiante Make America Great Again: “Sou uma ultra MAGA!”
Tom Homan será “czar das fronteiras”
Outra escolha já conhecida é de Tom Homan para controlar as fronteiras, o “czar das fronteiras”. Homan foi o responsável pela imigração no primeiro mandato de Donald Trump, tendo sido também o diretor-interino da Agência de Imigração e Fiscalização Aduaneira (ICE) entre janeiro de 2017 e junho de 2018.
Além de supervisionar as fronteiras sul e norte e “a segurança marítima e aérea”, Trump disse que Homan “será responsável por toda a deportação de estrangeiros ilegais de volta para o país de origem”. Homan “fará um trabalho fantástico e que há muito é esperado”, insistiu o presidente-eleito.
A nomeação de Homan não carece de confirmação do Senado, uma vez que não terá um cargo de secretário na Administração. Na campanha, Trump atacou repetidamente os migrantes ilegais que acusou de “envenenarem o sangue” dos Estados Unidos e prometeu restabelecer uma política de separação familiar na fronteira. No seu primeiro mandato (2017-2021), quase quatro mil crianças migrantes foram separadas dos pais e colocadas em detenção. Horas antes do anúncio de Trump, Homan disse numa entrevista à Fox News que os militares não irão deter e prender imigrantes ilegalmente no país e que a ICE ia agir de “forma humana”.
Isso parece apontar para uma preocupação em se encontrar um quadro legal - o que não deixa de ser positivo.
O grande problema é que não se vê como a tal “deportação em massa” prometida por Trump e J.D. Vance se possa fazer sem uma profunda perturbação social e graves violações dos Direitos Humanos, para já não falar do dano económico que constituirá fazer expulsar milhões de imigrantes nuns EUA em pleno emprego.
Pelosi culpa Biden
No Partido Democrata, o processo doloroso da digestão da derrota está apenas a começar. Em entrevista ao jornal The New York Times, Nancy Pelosi disse que os democratas poderiam ter-se saído melhor se o presidente Joe Biden tivesse abandonado a corrida mais cedo.
A ex-speaker do Congresso salientou que, “se o presidente tivesse desistido mais cedo, poderia ter havido outros candidatos na corrida”. “Como o presidente apoiou Kamala Harris imediatamente, isso realmente tornou quase impossível a realização de Primárias naquele momento. Se tivesse sido muito antes, teria sido diferente”, apontou Nancy.
Já Bernie Sanders tem outra explicação e outra atribuição de culpas: “Os democratas abandonaram a classe trabalhadora. Enquanto a liderança democrata defende o statu quo, o povo americano está zangado e quer mudança. E eles estão certos.”
Os democratas têm um ano para definir a sua nova plataforma política. Há que refazer a mensagem e há que perceber como será possível recuperar posições na classe trabalhadora branca, nos jovens e nos hispânicos.