A complexa postura da China quanto à guerra na Ucrânia

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No início de fevereiro de 2022, um encontro entre os chefes de Estado da Rússia e da China reforçou as relações entre os dois países, tendo o comunicado palavroso então emitido referido que "a amizade entre os dois Estados não tem limites", "não havendo áreas de cooperação proibidas". Esta relação de amizade reforçada com a Rússia reveste-se de grande importância geoestratégica para a China, visando diminuir o peso dos EUA no mundo. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, ficou claro que grande parte dos governos do mundo condenam as tentativas de alteração pela força armada das fronteiras políticas - princípio reiterado no recente documento de 12 pontos da China. A economia chinesa depende muito do comércio internacional - cerca de 1/3 das empresas chinesas relevantes são exportadoras - e esta guerra está a criar instabilidade económica que se repercute na procura de produtos chineses. O forte e crescente sentimento anti-russo na Europa deve ser uma causa de preocupação para a China, cada vez mais vista pelos europeus como aliada de facto da Rússia. O acesso de empresas chinesas ao mercado europeu, seja para efeitos de comércio, de tecnologia, de finança, ou outros, pode ser severamente afetado. Isto é especialmente relevante no que tange ao acesso à alta tecnologia; se a UE seguir a postura dos EUA em matéria de alta tecnologia, muitas empresas chinesas ficarão de fora dessas cadeias de valor e isso atrasará significativamente o seu avanço em várias áreas tecnológicas de ponta. Por outro lado, a China continua a necessitar de capital estrangeiro e a guerra da Ucrânia e as sanções financeiras impostas pelo Ocidente fizeram abrandar esses fluxos temporariamente após a invasão russa. O Ocidente, em especial os EUA, tem aqui uma Espada de Dâmocles financeira que os dirigentes da China não desconhecem.

Esta guerra veio também trazer enorme incerteza a um dos mais importantes projetos lançados pela China, as Novas Rotas da Seda, em especial no que tange ao principal corredor terrestre da BRI [sigla inglesa para Nova Rota da Seda], diminuindo investimentos ao longo dos sub-corredores principais para a Europa, via Rússia e Ucrânia, e conduzindo ao reforço do sub-corredor que atravessa a Turquia.

É neste pano de fundo histórico que deve olhar-se para o documento de 12 pontos da China, visando preparar a abertura de negociações entre a Rússia e a Ucrânia. Por um lado, a China beneficia do enfraquecimento da Rússia para garantir a segurança no abastecimento de gás, petróleo, cobre, níquel, platina, paládio e vários outros metais críticos e preciosos. Quanto mais enfraquecida a Rússia estiver, mais aumenta a margem negocial da China, seja no acesso a matérias-primas e cereais (a preços de desconto), seja na entrada de empresas chinesas nos conglomerados russos. A fraqueza russa emergente desta guerra e a sua dependência da China abre ainda oportunidades para Pequim expandir a sua influência na Ásia Central. Mas não interessa de todo à China uma Rússia semi-destruída, por razões simétricas das dos EUA.

Os líderes ucranianos necessitam que alguém de quem Putin depende o obrigue a parar a guerra e a abrir negociações. Por isso consideram a proposta chinesa útil. Mesmo percebendo que a pressão chinesa sobre a Rússia é gradual e ainda estamos longe do seu pico.

Consultor financeiro e business developer.
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