A cimeira da ASEAN mostra a fraqueza da estratégia europeia face ao Sudeste Asiático

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A União Europeia e os seus Estados-membros têm demonstrado uma atenção limitada à Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), o que tem permitido à China expandir significativamente a sua influência na região. Outros países, como a Índia, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia, também têm reforçado as suas ligações com a ASEAN. Tudo isso em contraste com a inércia por parte da UE, uma oportunidade perdida para ambos os lados e um vazio que outros habilmente preenchem. Evidencia, igualmente, mais uma falha de imaginação, de iniciativa, de coragem e de compreensão do jogo naquela parte do mundo ao nível da ação externa europeia. Este cenário de imprecisões é particularmente relevante numa área geopolítica que está a ganhar peso de forma acelerada nas relações internacionais.

Recentemente, os Estados Unidos também reconheceram o valor estratégico da ASEAN. Donald Trump estará presente na cimeira deste ano, de 26 a 28 de outubro, em Kuala Lumpur, a capital da Malásia. Para além de se reunir com os dez líderes da ASEAN – que passarão a ser onze, com a admissão formal de Timor-Leste, um passo importante para a integração política, económica e cultural do país na região a que de facto pertence – o presidente norte-americano terá ainda a oportunidade de se cruzar com outros políticos de relevo, como Narendra Modi, Li Qiang (primeiro-ministro da China), Sanae Takaichi (a nova dirigente ultraconservadora do Japão), Lula da Silva e Cyril Ramaphosa.

O primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, convidou também Vladimir Putin, um gesto significativo, embora o presidente russo tenha indicado que não poderá estar presente. Ainda assim, a Rússia estará representada a um nível elevado. Até ao anúncio esta quarta-feira das novas sanções americanas não se excluía a possibilidade de uma participação de última hora de Putin, tendo em conta a projeção mediática e política que isso teria. Agora, é certo que Putin não deseja encontrar-se com Trump, a não ser que este volte atrás e anule a decisão desta semana.

Entre os convidados europeus, destacam-se o primeiro-ministro da Finlândia e Giorgia Meloni, de Itália, que já confirmou a sua presença. Meloni reconhece que a sua visibilidade em eventos internacionais é fundamental para a consolidação da sua política interna. No entanto, permanece incerto quem representará as instituições europeias, sendo António Costa um dos nomes mencionados nos bastidores diplomáticos. Caso se confirme, a sua presença será sobretudo simbólica, uma vez que muito poder, nomeadamente o executivo, reside na Comissão Europeia, liderada por Ursula von der Leyen.

A União Europeia precisa de olhar para a ASEAN com maior realismo e empenho, reforçando a aproximação política e económica a um grupo de países que, juntos, constituem a terceira região mais populosa do mundo (cerca de 685 milhões de pessoas) e a quinta maior economia global. A ASEAN é um dos motores do desenvolvimento do chamado Sul Global e ambiciona desempenhar um papel de destaque na construção de uma nova ordem internacional. Ignorar esta realidade seria um erro estratégico para a Europa. Historicamente, os europeus sentem-se mais próximos de África e da América Latina, mas apostar no Sudeste Asiático é, cada vez mais, um caminho inevitável para as próximas décadas. Além disso, a competição com a China, a Rússia, a Índia e os EUA será mais equilibrada se a UE conseguir estabelecer uma relação sólida com a região.

A cimeira de Kuala Lumpur irá centrar-se em quatro grandes temas considerados prioritários pelos Estados-membros: a cooperação económica, a estabilidade e segurança regional, a produção de energia renovável (com a meta de atingir 45% até 2030) e o aprofundamento dos acordos de comércio livre com parceiros como a China, o Japão, a Coreia do Sul, a Índia, a Austrália e a Nova Zelândia.

Significativo será que a cimeira não aborde a grave crise política que afeta Myanmar, um dos Estados-membros da ASEAN. Esta omissão deliberada reflete o princípio da não ingerência nos assuntos internos de cada Estado, um dos pilares da Associação, algo que entra em contradição com o projeto de cooperação política e privilegia de modo evidente os interesses económicos. Esta postura, inspirada em parte pela China, contribui para o distanciamento entre a Europa e o Sudeste Asiático, sobretudo devido à indiferença de alguns membros da ASEAN em relação aos direitos humanos.

Neste contexto, as mensagens que a União Europeia deveria transmitir na cimeira de Kuala Lumpur são claras. Por um lado, afirmar que nós, os europeus, consideramos que seria mutuamente vantajoso aprofundar todo o leque de relações com a ASEAN. Por outro lado, expressar a nossa convicção que o respeito pelos cidadãos é a única forma de garantir a paz, o reforço da cooperação internacional e a prosperidade de modo sustentável.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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