A ameaça jihadista anda por aí
O 11 de Setembro continua a ser o atentado terrorista mais mortífero da História. Quase 3000 mortos nos ataques de 2001 a Nova Iorque e Washington com aviões civis desviados pela Al-Qaeda. Entre as vítimas, grande maioria de americanos, claro, mas também cidadãos de mais de 100 países: dezenas de britânicos, de dominicanos, de indianos, de coreanos, de canadianos, de japoneses… também sete portugueses ou lusodescendentes, que na sua edição desta semana o Portuguese Times, jornal em português publicado em New Bedford, relembra: António Augusto Tomé da Rocha, José Alberto Fonseca Aguiar, Manuel da Mota, António José Rodrigues, Leah Oliver, Christopher de Mello e Dorothy Araújo. Os primeiros cinco estavam nas Torres Gémeas, os outros dois num dos aviões desviados pelos jihadistas.
Nova Iorque, onde morreu mais gente, foi escolhida pela Al-Qaeda pela dupla condição de grande metrópole americana e de capital oficiosa do mundo. Em nenhuma outra cidade seria provável um ataque terrorista matar gente tão diversa, e nos dias seguintes os jornais encheram as suas páginas com - além da especulação sobre a inevitável resposta americana - histórias pessoais, de vidas acabadas precocemente, com as quais grande parte do mundo não teve dificuldade em identificar-se. Alguns exemplos? O diário Le Monde, num editorial de Jean-Marie Colombani, proclamava “Nous sommes tous Américains”, enquanto em Teerão uma vigília noturna homenageava as vítimas do jihadismo e num estádio de futebol um minuto de silêncio foi respeitado.
O terror da Al-Qaeda, essa rede criada pelo saudita Osama bin Laden para financiar os mujahedin afegãos contra os soviéticos e que depois se virou contra os americanos, não só chocava o mundo, como gerava uma onda de solidariedade com os Estados Unidos. O fundamentalismo islâmico na sua versão mais extrema foi então capaz de aproximar até os russos e os chineses dos americanos, admita-se em boa parte por ser um inimigo comum aos três.
O 11 de Setembro gerou também um sentimento de unidade nos Estados Unidos. As comparações imediatas foram com Pearl Harbor, o bombardeamento japonês do Havai em 1941, tamanha a dimensão do acontecimento, sobretudo num país raramente atacado no seu território. Os americanos decidiram fazer justiça à palavra União, sinónimo do país, o mesmo conceito pelo qual Abraham Lincoln fez a Guerra Civil. Foi, de facto, um momento de grande unidade. O presidente George W. Bush viu a sua popularidade disparar, ao ponto de ficar esquecida a polémica que rodeou a sua eleição em 2000, com a vitória sobre Al Gore a ser decretada pelo Supremo Tribunal após contagens e recontagens de votos na Florida.
Passados 23 anos, o 11 de Setembro continua na memória, mesmo se Bin Laden está morto e a Al-Qaeda pareça longe da sua força máxima e tenha até sido desafiada como líder do jihadismo global pelo Daesh. A América descobriu que não é invulnerável, mas o resto do mundo também: houve ataques terríveis, com inspiração no 11 de Setembro, em Madrid e Londres. O terror jihadista internacional também não poupou Istambul, Marraquexe ou Paris. E, ainda há meses, Moscovo sofreu um atentado que fez mais de 100 mortos, reivindicado por um ramo do Daesh. O simbolismo do 11 de Setembro é tal que Israel, depois do massacre de civis pelo Hamas a 7 de outubro, fez de imediato a analogia, relembrando que foram mais de 1000 mortos num país de dez milhões. E mesmo na campanha eleitoral americana, se - pelo menos até ao debate da madrugada entre Kamala Harris e Donald Trump - não foi tema em destaque, tem gerado polémica um acordo feito com o paquistanês Khalid Sheik Mohammed para prisão perpétua em vez do julgamento que pode dar pena de morte.
Precisamos de um presidente que mate terroristas e não que negoceie com eles”, disse J.D. Vance, o candidato a vice com Trump, referindo-se ao cérebro do 11 de Setembro, preso em Guantánamo, e cujo destino legal está a ser gerido pela Administração Joe Biden, o presidente que decidiu não se recandidatar e apoiou Harris.
A América está dividida. Trump derrotou Hillary Clinton em 2016 já num contexto de grande fricção na sociedade americana. E a eleição de Biden em 2020 frente a Trump foi tão disputada que tanto o vencedor como o vencido bateram recordes de votos. O mundo também está mais dividido, com a invasão russa da Ucrânia a pôr as relações entre Washington e Moscovo em mínimos históricos desde o fim da Guerra Fria, ao mesmo tempo que cresce a tensão entre os Estados Unidos e a China. As intervenções americanas no Afeganistão e no Iraque, falhadas em muitos aspetos, pertencem estranhamente já ao passado.
Porém, mesmo que o terrorismo islâmico pareça longe das principais preocupações tanto dos americanos como dos líderes das grandes potências, seria um erro desprezar a ameaça. O jihadismo global já provou, via Al-Qaeda ou Daesh, que tem um potencial destrutivo enorme. E nenhum país se pode considerar a salvo. No 11 de Setembro morreram portugueses. Noutros atentados, como o do Bataclan, em Paris, igualmente. Nunca esquecer que há 23 anos a América foi o alvo, mas o mundo também.
Diretor adjunto do Diário de Notícias