A alcateia
Adélio Bispo, autor da facada a Jair Bolsonaro às vésperas das eleições de 2018, é descrito pelo bolsonarismo como mero ponta de lança de um sofisticado complô internacional para eliminar o então candidato presidencial.
E, no entanto, ainda o fumo das explosões não se havia dissipado da entrada do Supremo e já o bolsonarismo classificava o ato terrorista do bolsonarista Francisco Wanderley Luiz, noticiado mundo afora na quarta-feira, dia 13, como “caso isolado”. E o criminoso, que se matou na sequência do próprio ataque, como um pobre “lobo solitário”.
Em março de 2021, um empresário bolsonarista filmou-se num campo de futebol de Artur Nogueira, no Estado de São Paulo, a disparar para um alvo pendurado na baliza. Depois, dizia para as câmaras: “Bocê vai ter probrema [sic], hein” - referindo-se ao então pré-candidato presidencial Lula da Silva.
A ameaça, investigada por suspeita de incitação ao crime, também foi classificada pelo bolsonarismo, na ocasião, como caso isolado.
Três anos antes, os autocarros que transportavam Lula e comitiva numa ação de campanha no Estado do Paraná foram alvo de disparos - dois tiros num, um tiro noutro.
O ataque foi “bem planeado”, de acordo com o delegado responsável pelas investigações, mas considerado pelo bolsonarismo um caso isolado.
Ainda no Paraná, o tesoureiro do PT de Foz de Iguaçu festejava o aniversário de 50 anos a 9 de julho de 2022, rodeado de amigos e familiares, quando foi morto por um bolsonarista que invadiu a celebração e disparou três vezes sobre o aniversariante à frente dos seus quatro filhos.
O crime foi motivado “por intolerância política”, segundo o secretário de Segurança Pública da cidade, mas considerado pelo bolsonarismo um caso isolado.
Na Véspera de Natal de 2022, semanas depois da vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro, o bolsonarista George Washington de Souza confessou ter montado uma bomba com o objetivo de implodir o Aeroporto de Brasília, instaurar o caos, gerar uma declaração de Estado de Sítio e impedir a posse, na semana seguinte, do eleito.
O atentado acabou descoberto, Washington condenado, mas o caso foi visto pelo bolsonarismo como isolado.
Nove dias antes, a 15 de dezembro de 2022, um polícia e quatro militares das forças de elite, um dos quais com cargo no Governo Bolsonaro, planearam a Operação Punhal Verde e Amarelo com o objetivo de envenenar Lula e eliminar o vice Geraldo Alckmin e um juiz do STF.
O golpe, que levou à detenção da organização criminosa na terça-feira, já é considerado um caso isolado pelo bolsonarismo.
E dias depois, a 8 de janeiro de 2023, foram presas 2182 pessoas pela participação na série de invasões e depredações na Praça dos Três Poderes, em Brasília, cujo objetivo era instigar um golpe militar.
O motim foi considerado pelo bolsonarismo como um somatório de 2182 casos isolados.
Em resumo, o bolsonarismo é uma alcateia de lobos solitários.