25 de Abril sempre, Rui Rio nunca mais

Publicado a
Atualizado a

Depois do recado político, o puxão de orelhas às políticas. Nestes primórdios da relação de Marcelo Rebelo de Sousa com a maioria absoluta de António Costa, o Presidente não se tem feito rogado. Na tomada de posse, colou o prazo de validade do governo à manutenção do primeiro-ministro. No 25 de Abril, dedicou a sua intervenção à área que o governo esqueceu no Orçamento do Estado: a Defesa. Numa longa homilia às Forças Armadas, o Presidente da República apontou as várias razões que fazem do investimento nas tropas portuguesas uma emergência nacional, tanto pelo seu contributo no combate à pandemia como pelos compromissos assumidos pelo país dado o contexto de guerra na Europa. Marcelo não referiu uma só vez a proposta de Orçamento do governo, como não havia mencionado diretamente a potencial ida de Costa para Bruxelas. Mas ontem, para bom entendedor, meia palavra bastou.

Um membro fundador da NATO cortar na despesa militar em pleno conflito continental não é aceitável. Os 54% de execução da lei de programação militar no ano passado também não. O facto de o salário mínimo de um recruta ter sido apenas equiparado ao SMN civil na última legislatura muito menos. Como comandante supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa fez muito bem em dedicar-lhes o seu discurso de ontem.

Entre os demais não houve, à exceção do desmaio de um funcionário do protocolo, grande alarido. O já recuperado, ao que consta, pereceu por falta de tensão enquanto Augusto Santos Silva falava - algo compreensível -, tendo o presidente da Assembleia prosseguido como se nada houvesse ocorrido. O Chega fez um discurso contra "os cravos", descurando o seu potencial junto das floristas, mas apontando a bandeiras previamente empunhadas pelo CDS: polícias, pensionistas e retornados. "Preferíamos outro Abril", atirou Ventura. A República preferiria certamente outra direita.

A Iniciativa Liberal, que apostou no estreante Bernardo Blanco para subir ao palanque, foi a única força não-socialista a reconhecer e assumir o 25 de Abril por inteiro. E não correu mal. O Bloco de Esquerda, na voz do deputado José Soeiro, apresentou um muito bem conseguido discurso em forma e conteúdo, cometendo a imprudência de citar uma epígrafe com o vernáculo "cu" durante uma sessão solene - ainda que, por isso, ninguém tenha desmaiado. De facto, não há o dito para a maioria das coisas que o BE diz. Ontem, com certeza, terá sido dia de exceções. Foi a melhor intervenção da manhã.

Quem se manteve na mesma, naturalmente, foi o PCP, atacando a União Europeia e jamais condenando a invasão russa à Ucrânia. Os comunistas são alvo de "novas censuras", queixam-se. Poderiam tentar fazer política em Moscovo e talvez compreendessem o que é censura a sério no século XXI, já que parecem ter esquecido a gravidade do que a palavra representou quando a combateram.

O Partido Socialista, diga-se, cumpriu a bom cumprir. Pedro Delgado Alves enfiou os democratas da Revolução debaixo de um chapéu onde até os monárquicos foram lembrados. As instituições como defesa maior contra o populismo é, sem dúvida, uma conclusão pertinente da parte do PS. Uma pena terem dependido tanto tempo de um partido que ainda há dias acusava a instituição parlamentar de "escalar" e "branquear" uma guerra.

Resta Rui Rio, que tornou a oferecer a si mesmo a intervenção do 25 de Abril. Numa verdadeira apologia à autocracia, o ainda presidente do PSD expôs um raciocínio em que, a seu ver, a vontade popular está hoje num polo oposto ao interesse nacional. O silêncio no seu partido, que assim o ouviu tecer críticas ao sistema democrático no aniversário da Democracia, é justificável apenas pela sua iminente saída. "O eleitorado que escolhe o caminho mais fácil é o que amanhã se queixa", acusou, entre outras pérolas reveladoras de um lamentável ressentimento para com os eleitores, depois da sua quarta derrota nas urnas. O regime tem de fazer "uma autocrítica", afirma ele, que não fez nenhuma aos seus quatro anos de liderança falhada.

É caso para dizer, meu caro leitor: 25 de Abril? Sempre. Rui Rio? Nunca mais.


Colunista

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt