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A vida política americana tem vindo a tornar-se central no debate político à escala global.
Bem se compreende que o que se passa no país mais poderoso do mundo não possa deixar ninguém indiferente. Paradoxalmente, a vida política dos EUA parece mais central no debate político que ocorre fora dos EUA do que no debate interno.
Para quem vê a política americana a partir desta margem (esquerda?) do Atlântico, o que parece perceber-se é o seguinte.
Sendo a democracia americana tradicionalmente bipartidária, com dois partidos - Republicano e Democrata - que alternam no poder, a par de fortes instituições, parece viver, hoje, uma realidade bastante diferente.
O Partido Democrata terá saído do último acto eleitoral em “estado de coma”, não se ouvindo, não se percebendo que tome qualquer posição relevante e, pior, não se configurando como um construtor da alternativa.
O Partido Republicano é hoje um movimento populista, com uma configuração unipessoal, e que parece reduzido a uma função instrumental de suporte ao presidente.
As instituições que nos habituámos a tomar como referência e, nalguns casos, como exemplo, oscilam entre o desaparecimento ou a completa desarticulação e descaracterização.
Em paralelo, surgem alguns “analistas” que, por optimismo ou porque confundem desejos com realidade, antevêem que toda esta situação é transitória e, logo, menos preocupante.
Ou porque daqui a dois anos haverá eleições para o Senado e a Câmara dos Representantes e a actual maioria pode alterar-se, ou porque quatro anos de um mandato passam rapidamente…
Acontece que, para além de não se descortinar nenhuma alternativa política consistente, o que todos os comportamentos dos agentes do actual poder evidenciam é uma afirmação para o longo prazo. Afirmação em nome de uma certa concepção política de democracia e do próprio mundo.
O actual projecto de poder tem um iniciador e protagonista, Trump, um continuador, Vance, e um entertainer, Musk. E, espero, não sejam estes actores de uma peça escrita pelo autor Putin.
Posso estar enganado, mas ao que o mundo está a assistir é à afirmação de um projecto político global para, pelo menos, 12 anos.
É isso que explica uma, hoje, clara agenda mundial de extrema-direita que se vai afirmando sem hesitações.
Do mesmo passo há um claro desígnio de criação de uma “internacional de extrema-direita”. Internacional a que o actual poder americano vem dar conteúdo e que, durante anos, os russos financiaram e apoiaram.
É assim que se explica a redução de toda a actividade política e pública a negócios que repugnam a qualquer consciência. Se a nova Riviera de Gaza é grave, o que dizer da “troca de dinheiro por direitos” em que se está a converter, sem pudor, o processo para alcançar o fim da guerra na Ucrânia.
Tudo é claro, tudo tem um propósito, tudo tem objectivos claros.
Só a Europa parece não saber o que fazer. Se soubesse o que fazer e ainda tivesse algum respeito por si própria, tinha deixado Vance, em Munique, a falar para uma plateia vazia.
Mas essa questão será para a próxima semana.
Advogado e gestor
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico