Entre as várias efemérides cinematográficas que foram pontuando o ano de 2025, a estreia de Tubarão, de Steven Spielberg, no verão de 1975, terá sido a que encontrou maior ressonância mediática. Face à sua excelência narrativa e sofisticação espetacular, convenhamos que há boas razões para isso, sem esquecer o facto de estarmos perante uma fábula premonitória sobre a decomposição dos laços tradicionais entre Homem e Natureza - vale a pena, por exemplo, conhecer a memória documental proposta por Jaws@50, de Laurent Bouzereau (Disney+).Entretanto, há memórias “escondidas” que ficam por citar. Assim, foi também há 50 anos (19 nov. 1975) que surgiu nas salas dos EUA o filme Voando Sobre um Ninho de Cucos, de Milos Forman, cineasta da nova vaga da Checoslováquia que emigrara para os EUA em 1968 (onde já realizara, em 1971, Taking Off/Os Amores de uma Adolescente). Entenda-se: há também boas razões temáticas e estéticas para recordar esse filme baseado no romance homónimo de Ken Kesey (ed. Livros do Brasil), mas convém não esquecer a sua performance comercial.A saber: se Tubarão foi um sucesso vertiginoso (para o melhor e para o pior, dando origem à idade dos blockbusters), Voando Sobre um Ninho de Cucos, porventura um filme que, agora, muitos encararão como “difícil” e “intelectual”, foi também um invulgar fenómeno financeiro. De tal modo que no top de receitas de 1975 veio a ocupar o segundo lugar, superando títulos aparentemente mais vocacionados para encher as salas escuras, como a comédia O Regresso da Pantera Cor de Rosa ou o thriller Os Três Dias do Condor.Há outra maneira de dizer isto que, sendo comercial, é também inevitavelmente cultural - aliás, como pensar uma coisa e outra sem ter em conta as convulsões da sua permanente contaminação? Voando Sobre um Ninho de Cucos pertence a um tempo (e respetivos mercados) em que o cinema existia numa dupla e, como se prova, enérgica solidão: desde logo, porque os filmes eram o território nuclear das nossas relações com o mundo das imagens (por alguma razão, o século XX foi cunhado como o “século do cinema”); depois, porque a proliferação de canais televisivos e, mais tarde, plataformas de streaming seria, na melhor das hipóteses, um insólito tema de ficção científica.De forma tão perversa quanto didática, o filme de Forman fazia a síntese de diversos vetores da contracultura que pontuou as nossas vidas nas décadas de 1960-70. Em boa verdade, a personagem de R.P. McMurphy (Jack Nicholson numa das suas composições mais emblemáticas), um recluso a ser avaliado num hospital psiquiátrico, está longe de ser um mero paciente rebelde - nele confluem os desejos libertários de um tempo que, entre alegria e tragédia, pagou o preço das suas incuráveis utopias. Paralelamente, a enfermeira Mildred Ratched (Louise Fletcher) não se esgota na sua fria crueldade, emergindo como bandeira de um “sistema” que não nasceu para consagrar as diferenças individuais.Eis uma curiosa matéria de reflexão para os espetadores (mais jovens e não só…) que confundem a vida comercial do cinema com “super-heróis” e “efeitos especiais”. Tínhamos, afinal, uma fábula social, com algo de panfleto político, que mobilizava milhões de espetadores… E conseguia também a proeza rara de ganhar o quinteto mágico dos Óscares (o chamado Big Five), vencendo nas categorias de filme, realização, ator, atriz e argumento. Antes só tinha acontecido uma vez, com Uma Noite Aconteceu (1934); depois, só se repetiu com O Silêncio dos Inocentes (1991).Jornalista