Há dias, o mundo acordou com a notícia de um alegado “plano de paz” para a Ucrânia, negociado entre Washington e Moscovo e apresentado a Kiev como facto consumado. Um documento com 28 pontos, agora reduzido para 19, mas que não resolve o essencial: quem garante a segurança dos ucranianos, que futuro será permitido a Kiev e, fundamentalmente, o que irá acontecer aos territórios ocupados ilegalmente pela Rússia?Traduzido para uma escala que percebamos: atualmente as regiões que a Rússia controla ou reclama representam cerca de 20% da Ucrânia. Seria como querer impor aos portugueses que cedêssemos o litoral Norte e parte do Centro para acabar com uma guerra. Nenhum de nós aceitaria tal coisa. Por que razão devem os ucranianos aceitar?A analogia histórica é inevitável. Em 1938, em Munique, em nome da “paz”, forçou-se a Checoslováquia a ceder os Sudetas. O que viram como um compromisso foi, na verdade, um erro trágico: legitimou a agressão, encorajou o agressor e abriu caminho a um conflito muito mais devastador. O padrão repete-se. Em 1994, Kiev aceitou desmantelar o seu arsenal nuclear em troca de garantias de segurança dadas pela Rússia. A Rússia violou-as em 2014, com a anexação da Crimeia, e em 2022, com a invasão em larga escala. Hoje, pede-se à vítima que pague a fatura de sucessivas violações do direito internacional.Uma trégua mal desenhada terá consequências que vão muito para além da Ucrânia. Permitiria à Rússia recuperar forças, enquanto a Ucrânia enfrenta desgaste humano e económico. Enviaria um sinal claro a todas as potências revisionistas: compensa usar a força, desde que se tenha paciência para esperar pela fadiga do adversário. Pequim estaria atenta à questão de Taiwan. Outros, noutras regiões, também.Há, porém, um outro problema, igualmente grave: a quase ausência da UE deste processo. Discutem-se fronteiras no continente europeu, o futuro da adesão da Ucrânia à União e à NATO, o destino de ativos russos congelados em território europeu e a UE aparece, na melhor das hipóteses, como pano de fundo, não como parceira de pleno direito.Uma paz construída à margem da Europa será sempre uma paz frágil e, provavelmente, uma paz injusta. Defender a Ucrânia não é um capricho moral: é uma questão de segurança europeia. Se hoje aceitarmos que as fronteiras se mudam pela força em Kiev, que garantias teremos de que o mesmo não será tentado mais perto de nós? Houve um tempo em que potências coloniais redesenhavam mapas à distância, ignorando a vontade dos povos. Esse tempo deveria estar encerrado. As fronteiras da Ucrânia não podem ser decididas em função das conveniências políticas de Putin ou dos cálculos comerciais de Trump.A Ucrânia não é apenas um teste à coragem dos ucranianos. É um teste à nossa própria coragem, à nossa memória histórica e à nossa capacidade de aprender com os erros do passado. Se falharmos agora, não será apenas a Ucrânia a pagar o preço. Será toda a Europa.Eurodeputado e Membro da Comissão de Defesa do Parlamento Europeu. Advogado.