Ian Lipkin: "Vamos viver o resto das nossas vidas com este vírus"

O epidemiologista norte-americano Ian Lipkin afirmou, em entrevista ao <em>El País</em>, que o vírus responsável pela covid-19 "não vai desaparecer". Diz, no entanto, que com a vacinação em massa, os níveis de infeção vão cair "drasticamente". E a partir de 2022 poderá haver "uma redução dramática nas mortes", considera ainda um dos maiores especialistas nesta área.
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"Vamos viver o resto das nossas vidas com este vírus. Não vai desaparecer. Tem de se vacinar os recém-nascidos para sempre e provavelmente teremos de dar doses adicionais de reforço aos que já foram vacinados. Vai ser um problema recorrente." A opinião é de um dos mais renomados especialistas em vírus emergentes, Em entrevista ao El País, Ian Lipkin acredita que não vai ser possível erradicar o SARS-CoV-2, o vírus responsável pela covid-19 que já infetou mais de 60 milhões de pessoas em todo o mundo. Com as vacinas, vamos reduzir drasticamente o número de infeções e de mortes, mas o vírus não irá desaparecer, prevê. Acredita que voltaremos a uma normalidade, mas será diferente da que tínhamos antes da pandemia.

À frente do Centro de Infeção e Imunidade da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o médico epidemiologista é descrito pelo jornal espanhol como "um dos maiores caçadores de vírus do planeta", tendo descoberto cerca de 1500. Lipkin foi, por exemplo, um dos responsáveis por identificar o vírus do Nilo Ocidental, proveniente de África, mas que foi importado para o continente americano. Também ajudou a identificar, na Arábia Saudita, o animal de onde se julga ter surgido o MERS, em 2012, que terá sido transmitido do camelo para o homem, e tem colaborado com o governo chinês na investigação de vírus, mais recentemente do SARS-CoV-2.

Um novo coronavírus que não acredita que vá desaparecer das nossas vidas. Justifica esta posição dizendo que "há transmissão assintomática ou pré-sintomática e também há muitos animais no mundo que vão tornar-se reservatórios deste vírus", dando como exemplo os morcegos, mas há outros.

Então e com as vacinas, não iremos acabar com o vírus? A resposta do especialista é um não, mas vem acompanhada de uma mensagem positiva sobre o futuro. É que com as vacinas estima-se que haja uma evolução positiva da situação epidemiológica no mundo. "Assim que começarmos a vacinação em massa, os níveis de infeção vão cair drasticamente. Estas vacinas mais a imunidade associada à infeção real vão fazer que a partir de 2022 vejamos uma redução dramática nas mortes. Mas o SARS-CoV-2 não se vai embora", sublinha o epidemiologista.

Perante este cenário, mesmo com a vacinação contra a covid-19 há que manter a vigilância, alerta o norte-americano.

Destaquedestaque"Não acredito que voltaremos à normalidade antes da pandemia da mesma forma que não regressámos à normalidade antes do 11 de Setembro.

Atualmente, as vacinas da Pfizer/BioNTech, Moderna, mas também a da AstraZeneca/Oxford são as que revelaram dados promissores na fase final dos ensaios clínicos. A Rússia também já veio anunciar que a Sputnik V tem eficácia de 95%.

O médico Ian Lipkin considera "surpreendentes" os resultados da Pfizer/BioNTech e da Moderna, que usam uma versão sintética do material genético do coronavírus, chamada RNA mensageiro ou mRNA, para programar as células de uma pessoa para produzir muitas cópias de um fragmento do vírus. Esse fragmento dispara alarmes no sistema imunológico e estimula-o a atacar, caso o vírus real tente invadir.

"Tenho a certeza fr que estas vacinas também vão reduzir a quantidade de vírus que uma pessoa infetada gera e também vão reduzir o tempo em que uma pessoa emite vírus contagiosos", diz, otimista com o desenvolvimento das vacinas da Moderna e da Pfizer contra as infeções pelo novo coronavírus.

Duas vacinas que vão ser distribuídas na Europa e nos EUA, mas nos países em desenvolvimento, esta operação de logística será um "desafio assustador". Para o médico é necessário que nestas áreas do globo haja vacinas que não precisem de refrigeração.

Com resultados tão animadores, o regresso a uma possível normalidade será possível, mas só com uma determinada taxa de imunidade da população mundial. "A única maneira de voltar ao normal é alcançar imunidade de grupo global. Para isso, entre 60% e 80% da população mundial deve estar imune", considera Ian Lipkin.

Mas este especialista não acredita que a normalidade que vamos ter com as vacinas será a mesma que tínhamos antes de a humanidade se deparar com esta pandemia que já matou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo. "Não acredito que voltaremos à normalidade antes da pandemia da mesma forma que não regressámos à normalidade antes do 11 de Setembro"

Embora seja um dos maiores desafios que o mundo já enfrentou, "a covid-19 mostrou a nossa vulnerabilidade aos vírus emergentes", a doença também revelou "a nossa capacidade de responder com ciência, compaixão e um objetivo comum", elogia o epidemiologista o esforço global no combate à pandemia, nomeadamente na união de esforços em relação às vacinas.

Conta ainda que ele e a sua equipa estimaram que existem cerca de 320 mil vírus desconhecidos que podem infetar mamíferos. "Outras estimativas falam em um milhão", afirmou. Uma das formas de prevenir pandemias é, segundo este médico, recorrer a " bancos de sangue, fazer testes serológicos". "Outra maneira é fazer mais autópsias. São feitas poucas porque são caras e geralmente não são muito úteis. Mas se pudermos encontrar uma maneira de fazer uma autópsia rápida com base na serologia, poderemos saber muito mais do que sabemos sobre este e outros vírus", defendeu.

Na entrevista ao jornal espanhol, o norte-americano falou do medicamento remdesivir, que foi considerado um tratamento eficaz contra a covid-19, mas que entretanto a Organização Mundial da Saúde desaconselhou o seu uso, isto já depois ter adquirido cem mil frascos. "Encurta a hospitalização, mas não reduz a mortalidade. Não é um bom fármaco. Provavelmente não vale o seu preço", considerou.

O responsável pelo Centro de Infeção e Imunidade da Universidade de Columbia, nos EUA, não ajuda só a comunidade científica no combate aos vírus emergentes, mas também a indústria cinematográfica. Foi o que fez com o filme Contágio, cuja história relata o impacto de uma pandemia mundial, muito semelhante ao que estamos a viver na realidade, uma vez que se baseou nos conhecimentos em surtos, como o de ébola.

Mas voltando à vida real, o desafio que este vírus representa impõe mais conhecimento para o combater de forma eficaz. É o que este epidemiologista está a fazer atualmente. Lipkin está a trabalhar na Universidade da Columbia num "teste múltiplo" que permite identificar não só o SARS-CoV-2, mas outros. "É o futuro", explicou.

"Em teoria, o teste poderá funcionar com amostras de saliva, sangue e até aerossóis, algo fundamental agora que pensamos em reabrir teatros, salas de espetáculo e outros espaços públicos. Esperamos ter os primeiros protótipos em janeiro", prevê Ian Lipkin.

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