"Temos de perceber se a reviravolta do PSOE é real ou apenas circunstancial"
Nesta entrevista conjunta o ex-vice-presidente da Generalitat da Catalunha e presidente da ERC fala da sua situação com a justiça (está condenado a 13 anos de prisão por sedição e peculato), do futuro da Catalunha, da relação do seu partido com o governo de Pedro Sánchez e do seu futuro.
Na mesa de diálogo entre o governo de Madrid e a Generalitat, qual pensa que deve ser a proposta-base para apresentar ao governo catalão?
O fim da repressão aos independentistas e o exercício da autodeterminação. Só vamos resolver isto nas urnas. A fim de resolver o atual conflito político deve primeiro finalizar a via judicial e penal que estão a sofrer os independentistas para que o conflito volte a ser político. E isso, entendemos que deve ser por amnistia. E se devem estabelecer as condições para que os cidadãos da Catalunha possam decidir o futuro do país.
Se os socialistas já descartaram um referendo sobre a independência, o que é que a ERC gostaria de alcançar em futuras negociações com o governo de Madrid?
Essa é a posição do PSOE e é legítima, tem direito de defendê-la. Mas a nossa proposta é um referendo sobre a independência e acreditamos que é a única que pode ajudar verdadeiramente a resolver o conflito político, a dar a voz aos cidadãos. A pergunta é por que é que o governo espanhol tem tanto medo da democracia e de ouvir o que querem os cidadãos?
A ERC conseguiu abrir um diálogo entre as duas partes. Uma reforma do estatuto de autonomia catalão (Estatut) pode ser um ponto de chegada que satisfaça as duas partes?
Não, em absoluto. Tentaram o Estatut no ano passado e mostrou-se claramente insuficiente e agora estamos noutra fase totalmente diferente, com maior complexidade e com o governo anterior na cadeia ou no exílio por fazer um referendo. Portanto, não, não estamos a favor da reforma do estatuto.
A abstenção de ERC significa que está à espera de uma amnistia por parte do novo governo?
Em nenhum momento esteve a amnistia na negociação. Negociámos apenas a criação de uma mesa de diálogo entre governos, que era impossível de alcançar até ao momento, e deve ser nessa mesa que as propostas são discutidas. De qualquer forma, acreditamos que a amnistia é uma opção muito boa, permite fechar todos os processos judiciais e criminais abertos e devolver o conflito à esfera política de onde nunca deveria ter saído.
Confia plenamente em Pedro Sánchez? O que espera que possa sair da mesa de negociações?
A nossa posição é muito cética, porque conhecemos o PSOE e Pedro Sánchez, mas, ao mesmo tempo, acreditamos que devemos dar uma oportunidade ao diálogo. A confiança precisa de ser conquistada mutuamente, estamos numa época com muitas contradições e algumas decisões de Sánchez pouco ajudam a que confiemos nele, mas é exatamente por isso que essa mesa é criada, para discutir propostas tão antagónicas. A ERC cedeu os seus 15 deputados a Sánchez nas eleições anteriores, mas ele não os queria e preferiu tentar um pacto com a direita. Não correu bem e ele convocou novas eleições, expondo os cidadãos à direita mais intransigente. O resultado final deu-lhe a vitória novamente, desta vez mais justa e também na Catalunha. E agora ele pediu o nosso apoio, mas temos de perceber se essa reviravolta é real ou apenas circunstancial.
O que espera do novo governo?
Que saiba governar bem e para todos os cidadãos e que mude o "vamos a eles" da cidadania espanhola contra a catalã pelo entendimento. Sánchez deve perceber que a maioria dos cidadãos da Catalunha é a favor da autodeterminação e que a ERC não vai renunciar à independência por muitos anos de prisão que nos sejam impostos.
Está a favor de umas eleições depois da inabilitação de Quim Torra [o presidente do Parlamento catalão]?
Não sou eu quem deve decidir esta questão mas é verdade que o Estado inabilita um presidente por manter um cartaz numa varanda. De qualquer forma, os catalães não temem as urnas e as votações, nós estamos presos por esse motivo.
Depois de ver o que tem acontecido com Carles Puigdemont a fugir da justiça, sente-se enganado por se ter apresentado diante da justiça espanhola?
Cada um fez o que pensou que seria melhor. No meu caso decidi ficar para estar perto da minha gente e para demonstrar a demofobia de Espanha. Sabíamos que podíamos terminar na prisão mas era uma fase mais no nosso caminho para a liberdade do nosso país. A nossa cadeia será a derrota do Estado.
É injusta a sua situação em relação à de Puigdemont?
Acredito que o exílio é também uma situação complexa. Mas o importante não somos nós mas sim a cidadania e a liberdade do nosso país.
Para lutar pelos seus objetivos, considera a prisão um melhor lugar do que um escritório em Waterloo?
Não gosto de contrapor prisão e exílio. Cada um dos membros do governo da Generalitat escolheu o percurso que quis, mas todos continuamos a lutar para tornar possível o nosso objetivo: a independência da Catalunha. As nossas lutas são complementares, o presidente Puigdemont e Marta Rovira, por exemplo, estão a fazer um trabalho muito importante a nível internacional.
O juiz Pablo Llanera solicitou ao Parlamento Europeu levantar a imunidade parlamentar aos deputados Puigdemont e Comín. A ERC exigirá aos eurodeputados socialistas espanhóis não apoiar este pedido?
O PSOE não deveria apoiar o pedido.
Acredita que a perseguição judicial é uma conspiração contra você e contra o independentismo catalão?
Desde sempre soubemos que o objetivo era decapitar o movimento independentista. Está a levar-se a cabo uma causa geral contra o independentismo mas o Estado atua contra nós e contra músicos, jornalistas...
Segundo a imprensa catalã, tem tido pouca comunicação com Carles Puigdemont desde que entrou na prisão. O que acha da atuação dele desde que se instalou na Bélgica?
Como podem perceber, as comunicações na prisão não são as melhores, como o mostra esta entrevista através de um formulário, mas as nossas equipas têm estado em contacto. Respeito muito o trabalho de internacionalização que está a fazer. Acho que é muito importante.
Como define o fosso que existe entre independentistas catalães?
Não sinto que exista um fosso, mas, como sempre, há diferentes estratégias e nós na ERC somos independentistas desde sempre e sabemos que isto não é um processo nem rápido nem simples. Por isso sabemos que devemos continuar a crescer até que a maioria seja inapelável.
Que papel teve na história do independente catalão o que aconteceu no outono de 2017?
Sem dúvida há um antes e um depois porque é quando soubemos que a independência não tinha marcha atrás, mas ao mesmo tempo soubemos até onde estava disposto o Estado a ir para impedir o referendo.
Se existir referendo, pensa que o resultado se deve respeitar durante uma geração, 30 anos?
Se houver referendo, o resultado deve ser respeitado sempre. Esta pergunta é para aqueles que não respeitam as urnas nem os seus resultados.
Quais são os planos para mudar as mentes dos catalães que não querem um país independente?
Não queremos mudar a mente de ninguém, explicamos o nosso projeto porque acreditamos que é o melhor para que a gente deste país possa viver melhor e aspiramos a que se junte cada vez mais gente. Não há alternativa real para que os catalães vivam melhor e estou convencido de que cada dia mais gente se apercebe disto. O que queremos é que seja possível votar e respeitar a decisão que todos os catalães escolherem.
Imagina-se um dia como presidente da República da Catalunha?
Para quem como eu trabalha para servir o cidadão, ser presidente da república catalã seria uma honra, mas como sempre dizemos, na ERC temos pessoas muito qualificadas para poder exercer esta função, e serão os cidadãos a decidir. O importante é conseguir que a Catalunha seja uma República, não que seja eu o presidente.
Depois de tudo o que aconteceu, ainda acredita que exista alguma vez uma Catalunha independente?
Acredito totalmente. Nunca acreditámos que seria simples e sem dor. Mas o percurso para a independência da Catalunha é irreversível, cada vez há mais gente que não contempla outra opção. O referendo de 1 de outubro é um ponto de não retorno e a primeira pedra da futura República catalã.
Como vê o seu futuro político?
Continuarei a fazer política e a estar ao serviço do país e do meu partido para melhorar as condições de vida dos cidadãos e isto passa pela independência. Não é preciso os cargos públicos para continuar a fazer política e trabalhar para fazer da Catalunha uma república. Na Europa há muita mais gente que nos apoia do que parece e vai continuar a crescer.
Qual será a primeira coisa que vai fazer quando sair em liberdade?
Abraçar os meus filhos, a minha família, os meus amigos, os que não são tão amigos... E continuar com o trabalho de explicar o nosso projeto e o porquê de acreditamos que os cidadãos da Catalunha estariam melhor com uma República independente.