"Tanto me faz quem ganha. Só quero ter emprego"

Sandra, Pedro, António e Ester estão desempregados e sentem-se ignorados por só se falar de independência. Hoje é dia de reflexão e sondagens apontam 27,8% de indecisos, maioria no setor não independentista que Arrimadas e Iceta disputam.
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Sandra vem fumar um cigarro no exterior da Oficina de Traball na rua Sepúlveda, em Barcelona. Aguarda que nos painéis informativos apareça o seu número, o 30, para voltar a entrar e preencher os papéis necessários para poder receber o subsídio de desemprego. Nos últimos anos tem sido esta a rotina. A de Sandra e do companheiro, Pedro, ambos trabalhadores no setor do lixo. Com a crise económica de 2007 perderam o emprego que tinham. Desde então são temporários. Quando há trabalho, são chamados. Quando não há, voltam ao centro de emprego. "Tanto me faz quem ganha. Só quero um emprego para poder cuidar dos nossos três filhos. Quero que ganhe quem olha para os pobres", conta Pedro, dizendo contudo que nunca votou e não é agora que vai começar.

A taxa de desemprego na Catalunha foi de 12,5% no terceiro trimestre (27,5% para quem tem entre 20 e 24 anos), segundo os dados da última Sondagem de População Ativa. Um número que nem Inés Arrimadas, a cabeça de lista do Ciudadanos às eleições autonómicas de quinta-feira, favorita entre os não independentistas, nem Marta Rovira, a número dois da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), o partido independentista a frente nas sondagens, souberam dizer a Jordi Évole, jornalista do programa Salvados, no canal La Sexta. "Eu acho que é de 19 ou 20%", disse Arrimadas, com Rovira a "estar de acordo".

Em entrevista ao La Vanguardia, também o cabeça de lista do Junts per Catalunya (JxCat), Carles Puigdemont, que insiste desde a Bélgica que ele é que é o presidente da Generalitat, não soube a percentagem de jovens no desemprego. "A última vez que vi o número estava em vinte e picos", afirmou. O desconhecimento dos dados revela como a campanha se tem centrado na independência, deixando de lado outros temas igualmente importantes para os cidadãos.

"Os políticos não se importam se os cidadãos estão melhor ou pior. Só se importam com eles", disse António ao DN. "Enquanto estão preocupados com a independência, e só com a independência, há imensas coisas que ficaram de lado", acrescentou, depois de deixar o centro de emprego. Jornalista, trabalha ocasionalmente para a rádio e televisão, estando à procura de um cargo mais fixo. António, de 55 anos, trocou Alicante por Barcelona há cinco. Nunca chegou a oficializar a mudança, pelo que não tem direito a votar nas eleições de amanhã.

O último Barómetro de Opinião Pública, divulgado pelo Centro de Estudos de Opinião no último fim de semana mas com trabalho de campo feito em finais de outubro, revela que o principal problema dos catalães são as relações entre Catalunha e Espanha (48,9%). No barómetro anterior, essa era a preocupação de 32,8% dos inquiridos, atrás do desemprego e da precariedade laboral (43,2%) e da insatisfação com a política e a corrupção (33,7%), numa pergunta onde eram permitidas respostas múltiplas. Este ponto continua a ser o segundo mais preocupante (40,5%), seguido do desemprego, que passa de primeiro para terceiro (24,5%).

Nas janelas do edifício onde fica o centro de emprego de Sepúlveda há duas bandeiras estelladas (as vermelhas, associadas ao independentismo de esquerdas, como as usadas pela CUP-Candidatura de Unidade Popular) e uma onde se lê "sim", referente ao referendo de 1 de outubro. Mas para os desempregados que cruzam as portas, a única coisa que importa é que a sua situação está pior. "Estou no desemprego há três anos", contou Ester, que trabalhava nas limpezas em casas e hotéis. Aos 43 anos, diz que não a preocupa quem vai ganhar. "Aconteça o que acontecer, a vida continua", criticando contudo aqueles que diziam, antes do referendo, que a economia não se ia ressentir. "Nunca acreditei. Tudo tem influência na economia", desabafou, enquanto esperava a saída de uma amiga, que teve que ficar em casa a cuidar da filha e de repente se viu sem trabalho.

Ester, tal como Sandra e Pedro, nunca votou e não é agora que vai começar. "Nunca votei na vida, porque nunca me interessei por política. Porque vote em quem votar, eles não querem saber de mim. Vou perder tempo para nada", explicou. "Os políticos deviam estar mais interessados nas pessoas do que em fazer figuras de idiota. Ou em roubar as pessoas", acrescentou, lembrando que continua a haver corrupção em todo o lado, mas as eleições estão a distrair as pessoas dessa situação.

"Os políticos não querem saber de nada. Só querem dizer que Espanha é ou não um país repressor, que é uma ditadura", referiu António. "E isso é uma grande mentira. Se Espanha fosse um país repressor e uma ditadura, a Esquerda Republicana nunca poderia fazer um comício às portas da prisão", acrescentou. Com Oriol Junqueras, seu cabeça de lista, detido por sedição, rebelião e peculato na organização do referendo de 1 de outubro e consequente declaração unilateral de independência, a ERC resolveu fazer ontem um ato frente à prisão de Estremera, em Madrid, antes de cerrar a campanha em Sant Vicenç dels Horts, cidade onde Junqueras vive e da qual foi autarca. O evento junto à prisão ficou marcado pela intervenção de um grupo de extrema-direita, que interrompeu os discursos com gritos de "não nos enganam, Catalunha é Espanha" ou "onde está o ursinho", numa referência a Junqueras.

Dia de reflexão

A sondagem divulgada pelo El Periòdic de Andorra (dados são proibidos por lei em Espanha) revelava ontem que há ainda 27,8% de indecisos. A maioria no bloco não independentista. São esses votos que Arrimadas quer conquistar. "Não vamos deixar escapar esta oportunidade", disse ontem no ato final de campanha do Ciudadanos em Nou Barris, diante de 2000 pessoas que procuravam fugir do frio com os cachecóis e mantas laranja que foram distribuídos. "Vamos votar claro, nítido, fiável para acabar com o processo", acrescentou, pedindo para ninguém "apostar" o voto em alguém que depois quer fazer um tripartido, numa referência aos socialistas e a Miquel Iceta.

Mas as contas não são fáceis para Arrimadas. Iceta, que ontem recebeu o apoio internacional do alemão Martin Schulz e do belga Elio di Rupo, deixou claro que não apoiará a investidura da candidata do Ciudadanos, mesmo que ela consiga mais deputados. Quer ser ele o próximo presidente da Generalitat.

Enviada especial a Barcelona

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