Mundo
01 outubro 2018 às 20h25

Partido no poder em São Tomé criticado por atuação de cantor nigeriano na campanha

Presença de Davido, um dos mais caros artistas pop na região, fez com que muitos perguntassem de onde veio o dinheiro para lhe pagar. O partido no poder diz que não lhe pagou nada

Joana Haderer, em São Tomé

A candidatura do partido no poder às legislativas em São Tomé e Príncipe está a ser criticada pela participação de um famoso artista nigeriano num comício do líder da ADI, Patrice Trovoada, que já garantiu ter sido gratuita.

No sábado, a campanha da Ação Democrática Independente (ADI) promoveu um festival-comício em Trindade, segunda maior cidade de São Tomé, com a presença do chefe do Governo cessante, e que contou com a atuação de vários artistas, incluindo o nigeriano Davido, cantor de 25 anos considerado a estrela pop mais procurada por organizadores de evento em África.

"Pagou o Davido com dinheiro do povo. O país não tem arroz, não tem petróleo nem luz. ADI ruaaaaa", lê-se numa imagem publicada nas redes sociais, enquanto outro utilizador do Facebook afirmava que "o custo do Davido minimizava o problema da energia no país ou de falta de equipamentos no hospital".

No dia seguinte ao concerto em Trindade, um vendedor no mercado da capital queixava-se, à Lusa, da escassez de arroz no país, enquanto reclamava que, com o 'cachet' do artista nigeriano, o primeiro-ministro poderia ter comprado este bem essencial na alimentação dos são-tomenses.

40 mil dólares pelo concerto de Davido?

De acordo com o Cara Cultura, uma revista cultural eletrónica moçambicana, Davido cobra 40 mil dólares (quase 35 mil euros) por espetáculo.

Esta segunda-feira, Patrice Trovoada esteve num "festival-comício" em Neves, distrito de Lembá (noroeste da ilha), com cantores nacionais e os internacionais Ricky Boy e Loony Johnson.

Um habitante da capital, João Adérito, defendeu a necessidade de se realizar "uma auditoria ao financiamento dos partidos durante as campanhas eleitorais", sublinhando que pode dar-se o caso de, caso "o partido ganhe, podemos estar a hipotecar o país para as próximas gerações".

Carlos Tiny, jovem militante do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD, maior partido da oposição), criticou: "A mesma pessoa que pede sacrifício ao povo, exigindo aperto de cintos é a que paga milhões a um músico para vir atuar numa campanha, quando temos sérios problemas no país".

Um jovem residente em São Marçal, periferia da capital, que se identifica com a ADI, defendeu por seu lado que "o mais importante não é a presença dos cantores famosos, mas sim o programa dos governos e as ideias políticas para o país".

Contactado pela Lusa, Wando Castro, secretário-geral adjunto do MLSTP-PSD, escusou-se a comentar o assunto, alegando que no passado o seu partido também recorreu a cantores estrangeiros para animar comícios em alturas de campanha eleitoral.

Patrice Trovoada em silêncio

A Lusa tentou obter um comentário do gabinete de Patrice Trovoada, mas sem sucesso, até ao momento.

A produtora de eventos e responsável cultural e organizacional do partido ADI, Nina Torres, também utilizou as redes sociais para comentar a polémica.

"Davido veio dar uma força ao PT [Patrice Trovoada] a pedido de pessoas por quem ele tem muito respeito. Ele e o PT têm amigos e familiares em comum. Foi mesmo surpresa para todos nós, o próprio PT não tocou no assunto connosco até o avião descolar de Port Harcourt, Nigéria", disse.

"Davido cantou em condições técnicas e de segurança que lhe eram desconhecidas, e só o fez devido a amizade e confiança pessoal, nada que tivesse a ver com contratos", acrescentou.

"Acham mesmo que se o tivéssemos contratado seria assim? Acham mesmo que iríamos gastar dinheiro e não o aproveitar da melhor forma? Seria no mínimo para a abertura ou para o fecho da campanha, por favor respeitem ao menos a nossa inteligência!", afirmou Nina Torres.

Mais de 90 mil eleitores são chamados a votar, no próximo domingo, nas legislativas, regional do Príncipe e autárquicas de São Tomé e Príncipe.

Jornalista da agência Lusa