Protestos em 438 cidades foram mais um prego no caixão de Dilma Rousseff
Maior manifestação de sempre em São Paulo, com cerca de 1,4 milhões de pessoas. Lula atacado como nunca. Protestos em 438 cidades, 23 fora do Brasil. Mais de dois milhões estiveram nas ruas.
"Eu não sou "coxinha" e estou aqui", lia-se na camisa do eletricista Gerson Menezes Martins. "Coxinha" é o termo da gíria brasileira que sucedeu a "patricinha" e "mauricinho", dos anos 1990, e que equivale em português a "beto" ou "queque". Gerson, que se manifestou em Ribeirão Preto, cidade no interior de São Paulo, estado que responde por um terço do PIB do Brasil, queria desmontar o argumento do Partido dos Trabalhadores (PT), do governo de Dilma Rousseff e do seu antecessor e guru político Lula da Silva de que só privilegiados vão às manifestações.
Ontem, de verde e amarelo, as cores oficiais do país e dos protestos em 438 cidades, incluindo 23 no estrangeiro, o eletricista explicava que sempre votou Lula. "Mas não dá mais: ele roubou e mentiu, o problema é mentir, e sabe porque ele mente? Porque não pode dizer que é milionário, deixaria de poder falar como o defensor dos pobres."
Entre os milhões de manifestantes, alguns assumiam-se como "coxinhas". "Ser empresário e dar riqueza ao país é ser "coxinha"? Então sou, pô...", dizia José di Bonifaci, dono de supermercados cujos lucros caíram a pique em dois anos.
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A Polícia Militar de São Paulo referia 1,4 milhões na Avenida Paulista. O instituto de sondagens Datafolha já sublinhara estar-se perante um valor recorde, superior ao das Diretas Já, na Avenida Paulista, com 500 mil a desfilarem. Em Brasília, foram mais de cem mil; no Rio de Janeiro, centenas de milhares. Em todo o país, mais de dois milhões.
"Está na hora de correr com esse PT, quadrilha de corruptos, fizeram o país perder dez anos e se ajudaram alguém foi só os vagabundos", afirmava, por sua vez, o médico Jandir Silva. "Todos os políticos roubam, está entranhado, mas o PT cresceu porque se dizia acima da corrupção e afinal...", insinuava Fernando Padovan, que chegou a votar em Lula mas jamais em Dilma Rousseff.
As manifestações surgem como último episódio de semanas duras para o governo: primeiro foi detido João Santana, publicitário do PT e conselheiro de Dilma; depois, o ex--senador do partido Delcídio do Amaral citou Lula e a presidente na sua delação premiada; o próprio ex-presidente foi forçado a depor na Lava-Jato; e na sua última convenção, terminada no sábado, o Partido do Movimento da Democracia Brasileira, maior aliado do PT no executivo, deu sinal de que pretende afastar-se.
Pode ser, segundo os analistas, o último prego no caixão da crise governamental que começou logo após a reeleição de Dilma, em outubro de 2014, quando a presidente perdeu o controlo do Congresso Nacional, viu agravar-se a crise económica e sofreu na pele os avanços da Lava-Jato. Até ao início da noite de ontem, o governo ainda não reagira aos protestos - e ponderava não responder para não os sobrevalorizar.
Moro Superstar
Há um ano, um boneco gigante com a cara de Sérgio Moro, entre os de Lula e Dilma, nos protestos no Recife causava estranheza aos manifestantes. "Quem é esse?", perguntavam. Um ano depois, o juiz de Curitiba que coordena a Lava-Jato e forçou Lula a depor é uma estrela. "Fico tocado mas é apenas um sinal de que o país está contra a corrupção", disse Moro à Globonews. Em faixas, máscaras e outros adereços, o rosto de Moro esteve omnipresente.
Aécio Neves, derrotado nas eleições de 2014 e presidente do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), foi chamado de "oportunista" na Avenida Paulista. Apesar disso, ainda falou, dizendo que o país merece mais, vamos continuar por um outro caminho". José Serra e Geraldo Alckmin, os outros dois pré--candidatos do PSDB,também estiveram na Avenida Paulista.
Pixulecos e jararacas
Os pixulekos, bonecos insufláveis de Lula vestido de preso, voltaram a invadir as manifestações contra o governo. Pixuleco era a forma como, de acordo com a Lava-Jato, o tesoureiro do PT Vaccari Neto se referia às comissões recebidas no escândalo da Petrobras. Em Copacabana, um vendedor ambulante lamentava só ter levado mil unidades, ao preço de dez reais cada (2,5 euros), para vender. "Vendi tudo ainda antes do meio-dia..."
Mas desta vez os pixulekos dividiram o protagonismo com as jararacas de borracha, numa alusão à metáfora de Lula horas depois de ter sido detido. Disse na altura que pisaram o rabo da jararaca, uma cobra sul-americana, mas não a cabeça. "A jararaca está viva!"
Na Avenida Paulista, centro financeiro de São Paulo, dava nas vistas a imagem de um pato na sede da federação dos industriais, cujo slogan para a manifestação era "chega de pagarmos o pato".
De resto, um mar de faixas avulsas com frases ora agressivas ora humorísticas, contra Dilma, Lula e o PT ou então contra a corrupção em sentido lato, e centenas de carros de som de onde se gritavam palavras de ordem ou se ouvia o hino nacional brasileiro.
Incidentes em São Paulo
No Rio de Janeiro, um homem e duas mulheres que passeavam de camisas encarnadas, a cor símbolo do PT, receberam apoio da Polícia Militar depois de terem causado tensão.
Em Copacabana houve vaias cada vez que um avião passava por cima das praias da zona sul da cidade com a inscrição "não vai ter golpe", uma das palavras de ordem dos pró-PT. No Recife, capital do estado de Pernambuco, de onde Lula é natural, houve uma manifestação simultânea a favor do PT e de Dilma não muito longe daquela contra o governo. Mas sem relatos de violência. As autoridades de outras capitais estaduais, como São Paulo, proibiram manifestações pró-governo no dia de ontem por precaução.
Foi em São Paulo, no entanto, que se verificaram os casos mais graves. A Polícia Militar interrompeu uma reunião do sindicato dos metalúrgicos de Diadema (Grande São Paulo) a favor de Lula. As duas partes, polícia e sindicalistas, acusam a outra de excessos. Dilma exigiu "apuramento rigoroso do sucedido". Noutro episódio, a sede da União Nacional de Estudantes, afeta ao PT, foi vandalizada com inscrições como "Lula na cadeia" ou "vendidos". A presidente qualificou o ato como "intimidação gratuita".
Na sexta-feira, estão previstas manifestações pró-governo, esperando-se em São Paulo participação e discurso de Lula que, já ontem, desceu do seu apartamento em São Bernardo, nos arredores de São Paulo, para ser abraçado por apoiantes.