OMS acusada de conspirar com Itália para esconder relatório: "Podia ter salvo vidas"

Plano pandémico de Itália não era atualizado desde 2006. Ranieri Guerra, diretor-geral adjunto da OMS e ex-diretor-geral de saúde preventiva no ministério da saúde italiano entre 2014 e 2017 - e, portanto, responsável por atualizar o plano de pandemia - ordenou que o documento ficasse na gaveta.
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A Organização Mundial da Saúde (OMS) está a ser acusada de conspirar com o ministério da saúde italiano para esconder um relatório que revelava a má gestão do país no início da pandemia de covid-19. Em causa está a falta de atualização do plano pandémico desde 2006. Ou seja, há 14 anos.

A notícia foi avançada pelo britanico The Guardian, como um exclusivo. O documento dando conta da desatualização do plano de ataque a uma pandemia, assinado pelo cientista Francesco Zambon e 10 colegas europeus requisitados pela OMS, foi financiado pelo governo do Kuwait, e tinha o objetivo de fornecer informações aos países que ainda não tinham sido atingidos: "Escrevi desesperadamente a todos os altos funcionários, incluindo o diretor-geral, alertando sobre o perigo [de o relatório ser bloqueado]. A sua publicação tinha potencial para salvar vidas."

A Itália foi o primeiro país europeu a ser atingido pela pandemia e por isso escolhido para servir de estudo. Chamaram Um desafio sem precedentes: a primeira resposta da Itália à covid-19.

O documento chegou a ser publicado no site da OMS a 13 de maio antes de ser retirado no dia seguinte.

O relatório de 102 páginas referia que o plano pandémico de Itália estava desatualizado - não era atualizado desde 2006 - o que levou a resposta inicial "improvisada, caótica e criativa" por parte dos hospitais. A orientação formal sobre como agir ficou disponível tarde de mais, segundo o relatório.

O documento foi supostamente removido do site da OMS a pedido de Ranieri Guerra, diretor-geral adjunto da OMS e ex-diretor-geral de saúde preventiva no ministério da saúde italiano entre 2014 e 2017, sendo, portanto, responsável por atualizar o plano de pandemia de acordo com as diretrizes estabelecidas pela OMS e pelo Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC).

A OMS não explicou por que o relatório foi retirado do site, mas disse, em comunicado, na semana passada que ele "continha imprecisões e inconsistências".

Segundo o governo italiano, o plano foi alterado algumas vezes, mas, segundo os especialistas da OMS os planos posteriores a 2006 foram apenas copiados "e nem uma palavra ou vírgula foi alterada no texto".

A OMS confirmou que está a trabalhar com o governo italiano "para esclarecer a questão". Leia-se, atualização dos planos pandémicos. Já o ministério da saúde da Itália negou qualquer envolvimento: "Pelo que sabemos, este não é um documento oficial da OMS e nunca foi enviado ao ministério da saúde, que, portanto, nunca avaliou ou comentou sobre ele. As informações a respeito não vêm de fontes institucionais." Mas segundo o autor do relatório, ele próprio informou por e-mail o ministro da saúde da Itália, Roberto Speranza. E-mails a que o The Guardian teve acesso.

O facto de Itália possuir um plano desatualizado é aliás um elemento crucial nas investigações preliminares conduzidas por promotores em Bérgamo - a província da Lombardia mais atingida durante a primeira onda da pandemia - sobre possível negligência criminosa por parte das autoridades. Zambon foi intimado a testemunhar em tribunal, mas a OMS já avisou que tanto ele como os outros investigadores estavam obrigados ao sigilo profissional e como tal não podem falar.

"A Itália não estava preparada para a covid, havia muita improvisação... precisamos descobrir por que há tantas vítimas em comparação com outros lugares", disse Antonio Chiappani, o promotor-chefe, ao Corriere della Sera, que tem como trunfo mais um relatório de um general do Exército na reforma, que atribuiu 10 mil das mais de 60 mil mortes até hoje (11 de dezembro) atribuídas à falta de protocolos antipandémicos.

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