"O pior ataque desde que Franco aboliu a Generalitat"
O presidente do governo catalão, Carles Puigdemont, considerou ontem que Mariano Rajoy "empreendeu o pior ataque às instituições e ao povo da Catalunha desde os decretos do ditador Francisco Franco abolindo a Generalitat da Catalunha". O primeiro-ministro espanhol anunciou que vai pedir ao Senado que acione o artigo 155.º da Constituição, dando-lhe poderes para demitir o governo catalão e convocar eleições no prazo máximo de seis meses. Puigdemont reagiu pedindo um plenário do Parlamento catalão para "debater e decidir sobre a tentativa de liquidar o autogoverno e a democracia", dizendo que os deputados atuarão "em consequência", abrindo a porta a uma declaração unilateral de independência.
"O governo espanhol autoproclamou-se de forma ilegítima o representante da vontade dos catalães", disse Puigdemont, acusando Rajoy de desprezar "a vontade popular expressa de maneira nítida e massiva nas eleições de 27 de setembro de 2015" em que os independentistas conseguiram a maioria. Tudo com o apoio do PSOE e do Ciudadanos. "O que os catalães decidiram nas urnas, o governo espanhol anula nos gabinetes", acrescentou, comparando a situação à abolição do autogoverno (1939 a 1977). Puigdemont indicou não poder aceitar este ataque e a "humilhação" de ter o executivo espanhol como "tutor da vida pública catalã".
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Ontem de manhã, após um conselho de ministros extraordinário, Rajoy explicou o que pretende com o artigo 155.º. São quatro os objetivos: "voltar à legalidade", "recuperar a normalidade", "continuar a recuperação económica (...) que na Catalunha está em perigo" e "celebrar eleições". Além de demitir o governo catalão e convocar autonómicas no espaço máximo de seis meses, Rajoy pede ao Senado que a administração seja assumida por órgãos criados pelo executivo espanhol. Estes terão o poder de demitir e nomear os responsáveis de cargos públicos, entre eles o major dos Mossos d"Esquadra, Josep Lluís Trapero.
O Senado começará a estudar a proposta na terça-feira, tendo Puigdemont direito a apresentar os seus argumentos. A votação final será na sexta-feira. No Parlamento catalão, está marcada para amanhã de manhã uma conferência de líderes para decidir a data do plenário pedido pelo presidente da Generalitat. A presidente do Parlamento catalão, Carme Forcadell, denunciou ontem um "golpe de Estado de facto" às instituições democráticas na Catalunha. "O artigo 155.º não lhes permite fazerem o que querem fazer", denunciou, comprometendo-se a "defender a soberania" catalã.
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Na sua intervenção, Rajoy lembrou os acontecimentos que levam à ativação do artigo 155.º e falou nos apelos ao diálogo de Puigdemont. "Uma palavra bonita que nesta ocasião se transformou em mágica", alegou, acusando o presidente da Generalitat de não querer dialogar mas impor a sua posição. O líder catalão disse na sua intervenção que os seus apelos ao diálogo tiveram sempre a mesma resposta: "silêncio ou repressão", referindo-se à detenção dos líderes das organizações independentistas Assembleia Nacional Catalã, Jordi Sànchez, e da Òmnium Cultural, Jordi Cuixart.
Os dois "Jordis" foram detidos por suspeita de sedição nos protestos prévios ao referendo de 1 de outubro. Antes de reagir oficialmente às decisões do primeiro-ministro, Puigdemont esteve com os membros do seu governo e com outras 450 mil pessoas (dados da polícia de Barcelona) na manifestação convocada para pedir a libertação destes dois "presos políticos". "Liberdade", lia-se nos cartazes da manifestação, que ganhou outro fôlego após as declarações de Rajoy.
Catalães a favor de eleições
Uma sondagem do Gabinete de Estudos Sociais e Opinião Pública, para o El Periódico, revelou ontem que 66,5% dos inquiridos são contra o uso do artigo 155.º. Na mesma sondagem, 68,6% dos inquiridos mostram-se a favor da convocação de eleições para resolver a situação - com esta opção a ganhar até entre os que se dizem independentistas (48% defendem eleições contra 47,2% que dizem não).36,5% defendem que seja o próprio Puigdemont a antecipar o escrutínio para evitar a suspensão da autonomia.
Só 29,3% preferem que o presidente da Generalitat declare a independência de forma imediata, com 55,6% a acreditar que o Parlamento não está legitimado para o fazer depois do referendo de 1 de outubro. 24,8% dos inquiridos pedem que Puigdemont renuncie à declaração unilateral de independência e negoceie com o Estado espanhol. Só 36,1% quer que o processo termine com a independência da Catalunha, dez pontos percentuais menos dos que defendem um acordo com Espanha para dotar a comunidade autónoma com mais autogoverno.