Mulheres falam contra Trump: "Senti-me um pedaço de carne"
2017 foi ano em que muitas vítimas de abusos sexuais perderam totalmente a vergonha de falar e a maioria dos abusadores não se atreveram a desmentir. Ao ponto de a revista americana Time ter eleito como figura do ano as mulheres que quebraram o silêncio para denunciar essas situações, sobretudo através da Me Too. Uma campanha que começou há dez anos mas que atingiu uma força brutal na era dos hashtags como #MeToo. Ontem, três das mulheres que acusam Donald Trump de abusos de carácter sexual deram uma entrevista à jornalista Megyn Kelly na NBC. E em seguida uma conferência de imprensa transmitida através da página de Facebook da produtora Brave New Films, na qual marcaram presença alguns dos media internacionais com mais peso, como, por exemplo CNN, Reuters ou The Washington Post. Rachel Cooks, Samantha Holvey e Jessica Leeds voltaram a contar o tipo de situação desagradável em que o agora presidente as colocou e pediram que seja investigado pelo Congresso.
"A América está a ter o seu momento Me Too, com homens a serem desmascarados e castigados por décadas de má conduta sexual. Mas esse ajuste de contas estende-se à Sala Oval?", perguntou-se a jornalista que confrontou Trump durante um debate entre candidatos republicanos e que depois trocou a Fox News pela NBC. "Porque é que o presidente é imune a isto? Este abusador é agora presidente dos EUA", disse Rachel Cooks, uma antiga rececionista da Trump Tower, que diz ter sido agarrada à força pelo agora chefe do Estado e beijada na cara e na boca. Foi em 2005 e na altura ela tinha 22 anos. "Peço que o Congresso investigue esta má conduta de Trump", afirmou, na conferência de imprensa promovida pela produtora que no mês passado estreou o documentário 16 Women and Donald Trump (16 Mulheres de Donald Trump).
"Quando vi que ele ia candidatar-se a presidente tive de falar. E depois comecei a notar que as pessoas vinham ter comigo, na piscina, no supermercado, toda a gente tinha uma história para contar. Eu achava que a situação das mulheres estava a melhorar. E não. Depois veio o caso Harvey Weinstein [megaprodutor de Hollywood] e houve uma explosão. As acusações surgiram e os responsáveis foram responsabilizados pelos seus comportamentos desapropriados. Exceto no caso do presidente. Aliás, os seus assessores apressaram-se a chamar-nos mentirosas", nota Jessica Leeds, a mais velha das três, que tinha 30 e poucos anos quando conheceu Trump. Foi na década de 1980. Num avião. "Mudaram--me para a primeira classe e fiquei ao lado de Donald Trump. Ele devia estar aborrecido e queria alguma diversão. Agarrou-me. Pôs-me a mão pela saia acima. Foi a última vez que usei uma saia num voo", relatou na conferência de imprensa.
Antiga Miss Carolina do Norte, Samantha Holvey relatou o que aconteceu nos bastidores do Miss EUA em 2006. "Nós andávamos ali, sem nada vestido, só de robe, quando Donald Trump entrou. Ele ia como que inspecionar-nos. Senti--me um pedaço de carne. Senti-me suja. Tinha 20 anos. Não era com aquilo que eu tinha sonhado e nem aquilo por que tinha lutado", explicou na entrevista à NBC. Falando ao programa de rádio de Howard Stern, em 2005, Trump admitiu que ia aos bastidores e entrava quando queria: "Eu sou o dono do concurso e vou inspecionar... "estão todas OK?" Estás a ver, andam todas ali sem roupa. Vês aquelas mulheres todas incríveis... é com coisas mais ou menos dessas que eu me safo."
Na conferência de imprensa, questionada sobre se iria processar o agora presidente dos EUA, a ex-concorrente do Miss EUA disse: "Esta é uma questão cultural. Vou processá-lo por fazer o quê? Por ser tão asqueroso?" No mesmo sentido falaram Rachel e Jessica. "O tribunal da opinião pública é o melhor", disse a primeira, enquanto a segunda considerou que os tribunais não são o melhor lugar para lidar com estas situações. "É preciso mudar é a cultura." Na véspera de estas mulheres falarem, a embaixadora dos EUA na ONU, considerada uma aliada de Trump, disse que elas devem ser ouvidas. "As mulheres que acusam alguém devem ser ouvidas. Qualquer mulher que se sinta violada ou maltratada de alguma forma, tem todo o direito de falar", disse Nikki Haley, ao programa Face the Nation, da CBS.