Milhares nas ruas de Dublin, mas nem todos para dar as boas-vindas ao Papa

Papa Francisco falou dos escândalos de abusos sexuais por parte de membros do clero no primeiro discurso na República da Irlanda e encontrou-se, em privado, com algumas vítimas. Depois, dedicou-se ao tema das famílias, o que o leva a Dublin.
Publicado a
Atualizado a

Milhares de pessoas assistiram nas ruas de Dublin à passagem do Papa Francisco, mas nem todas para lhe dar as boas-vindas. "Papa, líder da maior rede de pedofilia da história da humanidade", lia-se num dos cartazes pelo qual o Papamóvel passou e que a Reuters fotografou. "Solidariedade com os sobreviventes (de abusos do clero)", lia-se noutro que a AFP encontrou.

"Prendam o Papa", dizia o cartaz de Richard Duffy, de 31 anos. "Não posso acreditar que haja uma festa para ele", disse à agência francesa. "Eles ainda estão em negação e recusam admitir qualquer crime ou dar toda a informação que têm sobre o que aconteceu aqui", acrescentou. Ao seu lado, houve um homem que saiu em defesa de Francisco. "Como é que ele pode desculpar-se por tudo isso? É apenas um homem", afirmou.

Um grupo gritou "Não mais abusos", em inglês e espanhol, à passagem do Papamóvel, segundo um vídeo partilhado no Twitter pelo jornalista Bill Neely, correspondente da NBC.

Desde 2002, mais de 14 500 pessoas revelaram ter sido vítimas de abusos sexuais cometidos por membros da Igreja Católica na República da Irlanda. Este escândalo, junto com o tratamento dado às "mulheres caídas" (termo usado para denominar as mães solteiras), teve um impacto negativo no número de católicos irlandeses - representavam 93% da população em 1981 e são agora 78%.

Vítimas desapontadas

Os sobreviventes dos abusos sexuais e os seus apoiantes mostraram-se desapontados com as palavras do Papa Francisco, que se referiu aos "crimes repugnantes" no primeiro discurso nesta viagem (que termina este domingo). Disse ainda que o tema "continuar a ser uma fonte de dor e de vergonha" e que ele próprio partilha esse sentimento.

Colm O'Gorman, um dos organizadores de uma manifestação de solidariedade com as vítimas de abuso, que irá realizar-se no domingo em Dublin, considerou que as declarações de Francisco são "um insulto a fiéis católicos que não têm motivo para sentir vergonha por crimes do Vaticano e da Igreja institucional".

E lamentou que o Papa, perante uma "oportunidade perfeita" para abordar o assunto, "voltou a não o fazer" e, "pior, desviou extraordinariamente a atenção" do assunto.

Anne Barrett Doyle, cofundadora de uma página na Internet para a responsabilização dos abusadores, considerou que o Papa "pouco consolo levou às vítimas em sofrimento" ao não referir como vai resolver o problema, sendo que só ele pode sancionar os bispos que foram cúmplices dos abusos.

Reunião privada com vítimas

O Papa esteve durante uma hora e meia com oito vítimas dos abusos sexuais, mas também com sobreviventes dos abrigos para mães e bebés, onde houve relatos de maus tratos, segundo o The Irish Times. O encontro decorreu na residência do núncio papal em Dublin.

As vítimas, entre as quais Marie Collins que se demitiu da comissão do Vaticano para a Proteção dos Menores por falta de resultados nas investigações, pediram ao Papa que use a sua influência para obrigar as ordens religiosas que geriram esses abrigos para "reconhecerem as suas ações e emitirem um pedido de desculpas aberto e sentido" às mães e filhos.

O Papa recebeu uma carta, escrita em inglês e espanhol, a contar como cem mil mães foram obrigadas a separar-se dos seus filhos. "Com um ato de cura, pedimos que deixe claro à idosa e moribunda comunidade de mães biológicas e de adoção, que não há pecado na reunião. Deve ser encorajada e facilitada pela Igreja Católica", referiram.

Francisco terá concordado em dizer, no final da missa deste domingo, que não há pecado nas mães procurarem os seus filhos biológicos.

Encontro com casais

Depois do primeiro discurso em que abordou a questão que sabia iria marcar a sua visita, o Papa dedicou-se ao tema que o levou à República da Irlanda, o encontro mundial de famílias, que decorre este sábado, a partir das 19.30, no estádio Croke Park. Espera-se que 82 mil pessoas assistam ao evento.

Primeiro, Francisco reuniu-se com casais (desde recém-casados até um que já celebrou as bodas de ouro) na catedral de Santa Maria, em Dublin.

"Casar e partilhar as vossas vidas é algo maravilhoso. Há um ditado em espanhol que diz que se partilham a dor, sentem metade dessa dor. A alegria partilhada é uma alegria e meia. E é assim que o casamento funciona", disse Francisco, pedindo aos casais que "discutam o quanto quiserem, briguem, mas façam as pazes à noite".

Respondendo às questões que alguns casais tinham feito, o Papa lembrou que a fé católica se ensina antes de tudo em casa. "Através do exemplo diário dos pais que amam o Senhor e confiam na sua palavra. Aí, no que chamamos a igreja doméstica, as crianças aprendem o significado da fidelidade e do sacrifício", acrescentou.

Depois deste evento, o Papa visitou um centro de frades capuchinhos, que fornece entre 800 a 900 refeições diárias aos mais desprotegidos. "Não fazemos perguntas a quem frequenta este local, porque sentimos que já é difícil para eles virem cá e trazerem os seus filhos para serem alimentados. A nossa maior preocupação é que ninguém passe fome", disse um dos irmãos a Francisco.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt