Milhares de indianas retiram úteros para que menstruação não impeça trabalho
Na Índia, a menstruação é um taboo. As mulheres menstruadas são vistas como "contaminadas e impuras", chegando a ser impedidas de fazer tarefas que envolvam mexer em água ou cozinhar e a ser excluídas de participar em cerimónias religiosas, culturais e comunitárias.
Muitas das mulheres vivem sem privacidade para se lavar, não têm acesso a casas de banho limpas e seguras, bem como a casas de banho separadas nos locais de trabalho, nas escolas ou em instalações públicas. Adicionalmente, os produtos de higiene feminina são inacessíveis em muitos dos casos e têm preços extremamente elevados.
Esta sexta-feira, a BBC deu a conhecer duas notícias que demonstram o preconceito que existe contra as mulheres menstruadas na Índia.
A primeira notícia refere que milhares de mulheres jovens da Índia retiraram os úteros nos últimos três anos para deixarem de menstruar e poderem trabalhar no corte de cana-de-açúcar.
A questão foi levantada no mês passado na assembleia nacional pelo deputado Neelam Gorhe, tendo o ministro da Saúde de Maharashtra, Eknath Shinde, admitido que se registaram 4 606 histerotomias, só no distrito de Beed, desde 2016.
Todos os anos, milhares de famílias pobres dos distritos de Beed, Osmanabad, Sangli e Solapur emigram para zonas conhecidas como "faixa do açúcar" para trabalharem seis meses no corte da cana-de-açúcar.
Os empreiteiros destas explorações evitam contratar mulheres, uma vez que o trabalho implica um elevado esforço físico e as mulheres podem ter de faltar alguns dias durante os seus períodos. Ainda assim, nos casos em que os empreiteiros contratam mulheres, caso estas faltem a um dia de trabalho, são penalizadas com multas.
As famílias que se mudam para estes campos acabam por viver e trabalhar sob condições desumanas, dormindo em cabanas ou tendas perto dos campos onde trabalham, sem acesso a casas de banho e sem horários para adormecer e acordar, já que muitas vezes o corte da cana se prolonga durante a noite.
Muitas mulheres acabam por apanhar infeções decorrentes da falta de condições de higiene e, de acordo com os ativistas que trabalham na região da faixa de açúcar, os próprios médicos encorajam-nas a retirar os úteros, ainda que os problemas ginecológicos que tenham sejam menores e facilmente tratados com medicação.
Tudo isto transformou várias aldeias da região em "aldeias de mulheres-sem-útero".
A jornalista da BBC, Prajakta Dhulap, visitou a aldeia de Vanjarwadi, em Beed, e entrevistou várias mulheres que trabalhavam nos campos. Grande parte delas disse que sentiam que a saúde se tinha deteriorado desde a histerotomia. Uma delas disse que tinha uma "dor constante nas costas, no pescoço e nos joelhos" e que acordava todas as manhãs com "as mãos, a cara e os pés inchados". Uma outra mulher contou que sofria de "constantes tonturas" e que tinha dificuldades em andar, mesmo curtas distâncias. Como resultado desses sintomas, nenhuma delas consegue trabalhar.
Perante os alertas, a Comissão da Índia para as Mulheres descreveu as condições em Maharashtra como "patéticas e miseráveis" e apelou ao Governo nacional para adotar medidas de prevenção deste "tipo de atrocidades".
Um segundo foco de notícias regionais refere-se ao estado de Tamil Nadu e é sobre as mulheres que trabalham na multimilionária indústria de vestuário.
Num inquérito feito pela Fundação Thomson Reuters a 100 mulheres, todas confirmaram receber medicação dos seus empregadores quando se queixaram de dores menstruais, embora a lei preveja um dia de folga para essas ocasiões.
Segundo adiantaram, os medicamentos raramente são fornecidos por médicos e grande parte delas admitiu que não sabe o nome dos medicamentos que toma nem conhece os possíveis efeitos secundários. Muitas delas reportaram vários problemas de saúdes, desde depressões e ansiedade a infeções urinárias, miomas e abortos, que associam à toma dos medicamentos. Contudo, alegaram que não podem perder o salário de um dia por causa de dores menstruais.
O Governo prometeu monitorizar a saúde das trabalhadoras da indústria de vestuário de Tamil Nadu.
Estes relatórios surgem numa altura em que, em quase todo o mundo, são adotadas políticas de igualdade de género para facilitar o acesso e condições das mulheres no trabalho.
Na Índia, a tendência parece não estar a ser seguida: a presença das mulheres no mercado laboral caiu de 36% em 2005-2006, para 25,8% em 2015-16.