Mariano Rajoy e a "crónica de uma derrota anunciada"

Amanhã haverá nova votação depois da investidura falhada de ontem. Podemos insiste com PSOE para tentar solução de esquerda
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Não houve malabarismos de última hora, nem truques de magia política. Nenhum dos protagonistas saiu da sua personagem e as previsões matemáticas bateram certo. Mariano Rajoy chumbou na investidura. Recebeu, como seria de esperar, 170 votos favoráveis, vindos do Partido Popular (PP), do Ciudadanos e da Coligação Canária, mas precisava de 176 para a maioria absoluta. Não houve abstenções. Todos os outros 180 deputados votaram contra.

O antagonismo entre Pedro Sánchez, secretário-geral do PSOE, e Mariano Rajoy, líder do Partido Popular e candidato a primeiro-ministro, ficou bem patente na troca de palavras entre ambos durante o debate de ontem. Para o El País, o "não" dos socialistas a um governo liderado pelos populares não apresenta brechas e, por isso, não é previsível que venha a alterar-se. "O fantasma das terceiras eleições é cada vez maior", escreve o diário espanhol.

"O senhor apresenta-se aqui sem os apoios suficientes e converte este debate na crónica de uma derrota anunciada", sublinhou Sánchez. "Sinceramente, senhor Rajoy, o senhor não tem qualquer credibilidade", acrescentou o líder dos socialistas. Para Pedro Sánchez a questão é simples, Rajoy "não é de fiar" e não receberá "um injustificável perdão".

O líder dos populares, como aconteceu em muitos momentos do debate, usou a ironia para responder ao adversário socialista, fazendo alusão aos resultados eleitorais de 26 de junho: "Se eu sou assim tão mau, quão mau é o senhor? Será que é péssimo? É que há uma maioria de espanhóis que não pensa de mim aquilo que o senhor pensa."

Mariano Rajoy, desta vez, pediu diretamente a Sánchez a abstenção do PSOE. "Tenho noção de que não confia em mim. Só lhe peço que se abstenha. Espanha precisa de um governo e não podemos fazer eleições atrás de eleições até haver um resultado que lhe convenha".

É mais aquilo que vos une

Albert Rivera, do Ciudadanos, apresentou-se numa posição delicada. Por um lado, cabia-lhe defender, ou pelo menos não atacar, o acordo de investidura que assinara com o Partido Popular. Por outro, tentou sempre manter uma distância segura de Rajoy. Já o líder dos populares procurou aproveitar a aproximação entre os dois partidos. "Acho que nos vamos dar bem. Não nos resta outra hipótese e é bom irmos fazendo amigos na vida", disse Rajoy. A resposta de Rivera foi seca: "Não estou na política para fazer amigos".

O líder do Ciudadanos procurou fazer a ponte entre os dois maiores partidos e mostrar que é mais aquilo que une PP e PSOE do que aquilo que os separa. "Há um espaço comum de consenso entre conservadores, o centro e os socialistas."

Recuando até aos passatempos para crianças, Rivera explicou a sua posição de forma metafórica, dizendo que prefere os jogos de unir os pontos com traços do que aqueles em que é preciso encontrar as sete diferenças. Apesar do acordo assinado com o PP, o apelo de Rivera ao secretário-geral dos socialistas foi direto: "Senhor Sánchez, peço-lhe que reflita sobre o que o PSOE pode fazer e representar. Eu, o senhor e o Podemos - caso também queiram juntar-se - seremos capazes de legislar e de fazer as reformas que o Partido Popular não quer fazer. Utilize os seus 85 deputados para aprovar legislação e não para bloquear Espanha."

Pablo Iglesias dividiu-se entre atacar Rajoy e lançar as redes para apanhar Pedro Sánchez. O líder da coligação Unidos Podemos agradeceu ao socialista a sua perseverança no não a Rajoy. "Não tínhamos a certeza de que seria capaz de resistir, mas manteve a sua palavra. Hoje digo-lhe obrigado por não facilitar um governo do PP." Imaginando a possibilidade de uma alternativa de esquerda, Iglesias sugeriu a Sánchez que desse um passo em frente, procurando unir as forças políticas que se opõem aos populares. "Para combater o PP somos de fiar", disse.

Rajoy voltou à ironia para dar réplica a Iglesias. "O senhor é estupendo. Às vezes gostaria de ser como o senhor, que é a quinta-essência de todas as virtudes. É o único decente, o único independente e o único a que ninguém é capaz de pressionar."

Para o diário ABC, "o não do Podemos é ideológico", algo que não acontece com o do PSOE, "que parece um não pessoal, de insegurança e de medo de perder espaço para o próprio Podemos".

Frankenstein e um labirinto

Pedro Sánchez está, de certa forma, preso no seu labirinto. Explica o El País que o socialista não quer fugir ao "não" para não perder a face, mas, ao mesmo tempo, tem medo de aparecer aos olhos do eleitorado como o grande responsável de umas eventuais terceiras eleições.

O mesmo jornal espanhol acrescenta que a saída seria Sánchez apresentar-se à investidura e apostar no apoio do Podemos, da Esquerda Republicana da Catalunha, do Partido Democrata da Catalunha e do Partido Nacionalista Basco. Juntos somariam 178 deputados, suficientes para a almejada maioria absoluta. Uma hipótese que chegou a ser apelidada por Alfredo Pérez Rubalcaba, antecessor de Pedro Sánchez à frente do PSOE, como um "governo Frankenstein". Além disso seria cruzar a linha vermelha de pactuar com partidos independentistas, algo que, sublinha o El País, representaria uma instabilidade permanente para a integridade territorial de Espanha.

A nova votação será amanhã. O ABC não tem dúvidas sobre o resultado: "Rajoy sabe que também não será eleito." Se isso acontecer e se até 31 de outubro ninguém tiver conseguido formar governo, Espanha irá para terceiras eleições.

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