"Macron tenta criar clima ruim para o Brasil e defender os seus produtores"

Mauro Mendes diz que teme o regresso dos embargos internacionais e promete acabar com desmatamento ilegal.
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O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), entrou em pânico quando viu o presidente francês Emmanuel Macron dizer que os incêndios na Amazónia geraram uma crise internacional.

Mendes, que está no seu primeiro mandato como governador do estado que mais produz grãos no país, ficou com medo de o episódio forçar o retorno dos embargos internacionais que no passado frearam o agronegócio.

O bate-boca entre Macron e Bolsonaro só piorou a situação, diz. Mas Mendes vê intenção por parte de Macron para surfar nas cinzas da Amazónia para obter vantagem.

"Quando ele [Macron] fala em defesa do ambiente aqui, está na verdade tentando criar um clima ruim para o Brasil e defender os seus produtores franceses", afirma.

A dor de cabeça de Mendes ainda não passou. Mato Grosso é recordista em número de focos de incêndio este ano, de acordo com os dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

De janeiro até 25 de agosto, o estado somava 15 252 pontos de incêndio, um crescimento de 95% em relação ao mesmo período do ano passado.

Mato Grosso ocupa historicamente o primeiro lugar no ranking entre os estados com maior número de focos de incêndio no país. Porquê?
O estado de Mato Grosso tem muita pastagem e cerrado. Nessas áreas, ao longo de muitos anos, houve uma cultura de que queimar era bom para controlar pragas. Mas os novos tempos mostram que isso está mudando.

Falta fiscalização?
Ela não está ausente, mas pode ser melhorada. Quando detetamos um desmatamento nas áreas de difícil acesso, podemos levar de dois a três dias para chegar ao local se não utilizarmos aviões. Por isso precisamos de recursos.

Concorda que os incêndios foram gerados por ONG?
Não tenho elemento nenhum para fazer essa afirmação, nem para concordar e nem para discordar.

Quem fez, então?
Nós temos dezenas de indícios levantados e registos que mostram claramente que o grande número de queimadas, especialmente as de pequenas proporções, foram geradas a partir da atividade humana próxima das cidades.

O que pensou quando leu a declaração do presidente francês Emmanuel Macron sobre a situação da Amazónia?
Fiquei em pânico. O nosso estado tem grande relação de venda de produtos com os mercados internacionais. Por Mato Grosso ser o maior produtor brasileiro de commodities agrícolas e mais de metade do que produzimos ir para exportações, dependemos da boa imagem e da boa relação do país com esses mercados.

Mas como vê Macron a defender a Amazónia no G7?
Temos de reconhecer que a França e os produtores rurais franceses são grandes concorrentes do Brasil no agronegócio nos mercados europeus. Quando ele [Macron] fala em defender o ambiente, está na verdade tentando criar um clima ruim para o Brasil para defender os seus produtores franceses.

O senhor engrossa o coro do governo Bolsonaro de que os países críticos para com a gestão ambiental do Brasil precisam olhar mais para o próprio quintal?
Essa carapuça de que é preciso primeiro fazer o trabalho de casa serve para União Europeia, Estados Unidos, China e até ao Brasil. Quais países cumpriram as suas metas ambientais até agora?

O presidente Jair Bolsonaro demorou a agir?
Não seria bom para mim, em momento tão delicado como esse, ficar analisando a coerência ou não do nosso presidente. Como governador, vejo que no meu estado estamos fazendo o trabalho de casa para garantir a legalidade e para fazer de Mato Grosso a região do planeta que mais produz alimentos e respeita o ambiente.

O que está a fazer para dissociar a imagem de Mato Grosso de um estado que desmata a Amazónia?
Isso é uma mentira. De 2018 para 2019, Mato Grosso diminuiu 17% a sua percentagem de desmatamento. Foi o único estado da Amazónia que fez isso. Talvez por sermos o maior estado brasileiro na produção de proteína animal e vegetal, nós sejamos alvo de críticas.

Mas o que sua gestão tem feito na área ambiental?
Com o dinheiro do KfW [banco alemão] adquirimos um sistema de imagens de satélite geradas a cada 24 horas que detetam qualquer desmatamento acima de meio hectare. Quase em tempo real passaremos esses dados às equipas de fiscalização. Investimos 3 milhões de dólares (2,7 milhões de euros) nessa tecnologia.

As imagens gratuitas do INPE não são suficientes?
Elas não têm essa velocidade em tempo real. O INPE não consegue comunicar-me amanhã um desmatamento que aconteceu hoje. Ele tem um lapso temporal maior. E não podemos esperar.

Se estivesse no lugar de Bolsonaro, o que faria para conter a crise ambiental?
Eu me esforçaria muito para mostrar ao mundo a verdade. Temos um país com o maior ativo ambiental do planeta e que, embora tenha problemas, está disposto a mudar as suas atitudes. E também cobraria o mundo para ajudar na preservação de nosso recurso.

Mas qual é a sua meta mais ousada na proteção da porção amazónica de Mato Grosso?
Nos próximos dois anos quero ver o meu estado livre do desmatamento ilegal.

Nenhum de seus antecessores conseguiu isso.
Vamos procurar conseguir isso com tecnologia, mas sem deixar de punir aqueles que persistem no crime.

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