Líder do Ciudadanos vai ser o próximo primeiro-ministro de Espanha?

Inquéritos de opinião apresentam-se particularmente favoráveis ao dirigente do partido fundado há pouco mais de uma década na Catalunha. E após a crise nesta região, surge como bem posicionado para suceder a um desgastado Mariano Rajoy.
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Depois da histórica vitória nas eleições catalãs de dezembro - histórica mas insuficiente para derrotar os partidos independentistas - o Ciudadanos (C"s) lidera pela primeira vez, de acordo com sondagens recentes, as intenções de voto dos espanhóis. Esta nova vitória, tão assinalável e virtual quanto a primeira, ameaça pôr termo a quase 40 anos de bipartidarismo e mudar para sempre o mapa eleitoral do país vizinho.

Os estudos de opinião revelam ainda que o maior prejudicado pela ascensão de Albert Rivera e Inés Arrimadas é o PP de Mariano Rajoy, mas as deserções também são consideráveis nos outros rivais diretos: PSOE e Podemos. A "lua de mel" do C"s com os eleitores é ostensiva numa série de indicadores, como o reforço da popularidade de Rivera (de longe, o líder com a avaliação mais positiva nos barómetros). O único senão é que o efeito "lua de mel" é, por definição, efémero - neste caso, inflacionado pela vitória na Catalunha e com tendência para perder fôlego à medida que se aproximem as legislativas (oficialmente em 2020, mas previstas para o outono de 2019).

Fundado em Barcelona há pouco mais de uma década, o Ciudadanos-Partido de la Ciudadanía deu o salto definitivo à arena nacional em 2015; apesar do quarto lugar e 40 deputados, os resultados ficaram aquém das expectativas - e, sobretudo, longe dos 69 assentos de Podemos, a outra formação "emergente" numas eleições que anunciavam a mudança de ciclo.

A irrupção dos novos partidos fragmentou o Parlamento espanhol ao ponto de ser impossível formar governo. Um acordo entre socialistas e o C"s, cimentado em 200 pontos, ainda tentou investir Pedro Sánchez como primeiro-ministro, mas não impediu a repetição das eleições. As urnas castigaram a aventura PSOE+C"s, validaram a união do Podemos com a antiga Esquerda Unida (Unidos Podemos) e entregaram uma frágil maioria a Rajoy no verão de 2016.

Um ano e meio e uma crise catalã mais tarde, Albert Rivera é o candidato mais bem posicionado para chegar à Moncloa. Desprovido do fardo da social-democracia (eliminada do ideário do partido num congresso recente), apresenta-se como o líder de um partido "liberal e progressista", na esteira de Emmanuel Macron e Justin Trudeau. A esclerose do PP, as guinadas do PSOE e o declínio do projeto de Pablo Iglesias explicam em parte o surpreendente favoritismo nas sondagens, mas há outros fatores que convém não ignorar: Primeiro, a campanha na Catalunha. O triunfo do C"s nas eleições propiciadas pelo artigo 155 (cuja aplicação defenderam muito antes do que os outros partidos, incluindo o PP) foi o primeiro de uma formação não nacionalista desde 1980. O magnetismo de Inés Arrimadas e um discurso ao mesmo tempo conciliador e combativo consolidaram o partido laranja como a principal alternativa ao independentismo na Catalunha e um impetuoso defensor da Constituição de 1978, precisamente na altura em que mais vozes a questionam.

Partido de todos e de ninguém

Segundo fator, a imagem. A popularidade de Rivera e Arrimadas não tem grande mistério - ambos são jovens, bonitos e competentes - mas obedece também a uma identidade corporativa cuidadosamente trabalhada. A inócua cor de laranja que identifica o partido (inócua e neutra: nem azul PP, nem vermelho socialista) é uma das favoritas dos publicitários; o logótipo e a sigla (C"s) remetem para a língua dos negócios por excelência (o apóstrofo à inglesa não se usa em castelhano) e para o centro político, o grande celeiro de votos; mas o maior trunfo do partido é o coração "tribandeira" com as cores catalãs, espanholas e europeias. O êxito desta mensagem inclusiva foi tal que levou o PP a decalcar um coração "bibandeira" (sem o emblema da UE e sem sucesso).

Terceiro fator, o partido de todos e de ninguém. A soma de liberalismo e progressismo, avatares light da direita e da esquerda tradicionais, é zero - ou seja, o equador do espetro político. No fundo, o C"s é um partido moderado clássico, um agregador que pisca o olho a torto e a direito, acolhendo votantes desiludidos com os velhos partidos e receosos do extremismo do Podemos, o arqui-inimigo "emergente".

A experiência no poder praticamente nula - governa apenas em pequenos municípios - e as críticas que o retratam como um produto de marketing ao serviço do IBEX 35 (o índice de referência da Bolsa espanhola) não impediram o avanço sustentado do partido que, neste momento é o rival a bater na Catalunha e no resto do país.

Às virtudes próprias, discutíveis e escassamente testadas, juntam-se os graves problemas internos dos concorrentes. O PP teve o pior resultado de sempre na Catalunha, sofre o desgaste dos sete anos no poder e dos incontáveis casos de corrupção, que abalam - com insistente regularidade - a vida política e judicial. O maior pecado, contudo, é a passividade de Rajoy, patente na crise catalã e nas expectativas de voto minguantes.

À esquerda, Pedro Sánchez passou de candidato falhado a primeiro-ministro a renunciar ao mandato de deputado. Depois de umas tensas primárias, voltou a liderar o PSOE e a oposição ao PP, mas as sucessivas guinadas e as diferentes visões do modelo territorial dentro do partido (quase opostas na Andaluzia e na Catalunha, por exemplo) não ajudam a ultrapassar a crise na família socialista.

O Podemos chegou a ser o favorito nas sondagens em 2014, mas agora está a quase dez pontos dos adversários. O retrocesso na Catalunha, onde perdeu três deputados e a pretensão de ser o fiel da balança, é mais um sintoma da degradação de um partido que está nos antípodas do Cidadãos em quase todas as matérias - e cada vez mais longe do coração dos espanhóis.

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