Leonor: uma herdeira entre os escândalos do avô e os ataques ao pai
Princesa herdeira só porque não tem um irmão, uma vez que Espanha ainda não mudou a lei da sucessão para acabar com a primazia dada ao sexo masculino, Leonor fará 15 anos a 31 de outubro.
O então príncipe Felipe tinha 13 anos quando viveu ao lado do pai aquele que foi o momento que marcou o reinado de Juan Carlos: a tentativa de golpe de Estado de 23 de fevereiro de 1981. O rei queria que o filho estivesse no seu gabinete quando enfrentava a crise e gravava a mensagem televisiva para os espanhóis, na qual desautorizou os militares golpistas. "Vais perceber quando fores grande. Vê o que é preciso fazer quando fores rei", terá dito o monarca ao filho.
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A atual princesa herdeira, Leonor, que fará 15 anos em outubro, era mais jovem quando começaram a destapar-se os escândalos em torno do avô. E assistiu à forma como toda a popularidade e carinho que os espanhóis tiveram por Juan Carlos (sempre se disse que eram mais juancarlistas do que monárquicos) se desmoronou, até este optar por abdicar do trono, em junho de 2014, e agora deixar Espanha.
Podem as ações do avô afastar Leonor, que só é herdeira porque não tem um irmão do sexo masculino, do trono espanhol?
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A dificuldade em alterar a lei
Leonor de Todos los Santos de Borbón e Ortiz nasceu a 31 de outubro de 2005 na clínica Ruber, em Madrid, sendo herdeira da coroa desde a proclamação do pai como rei de Espanha, a 19 de junho de 2014. Além de princesa das Astúrias, é princesa de Girona e princesa de Viana, títulos correspondentes aos primogénitos do reino de Castela, da coroa de Aragão e do reino de Navarra, cuja união formou no século XVI a Coroa Espanhola, lê-se na página oficial. Além disso, é ainda duquesa de Montblanc, condessa de Cervera e senhora de Balaguer.

A primeira foto oficial, em novembro de 2005.
© Borja/HO/Arquivo AFP
Ainda antes de Leonor nascer, o então primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, tentou alterar a lei para garantir que o bebé de Felipe e Letizia herdaria a coroa, independentemente do seu sexo. Isto porque Espanha é uma das poucas casas reais na Europa em que ainda é dada a primazia ao herdeiro do sexo masculino - de facto, Elena e Cristina são mais velhas do que Felipe, caindo na linha de sucessão após o nascimento do irmão.
Depois de nascer Leonor e quando Letizia engravidou pela segunda vez, voltou a falar-se do tema, mas o nascimento de outra menina, Sofia (batizada em homenagem à avó), acabaria por levar políticos e juristas a deixar cair o tema. Tudo porque o procedimento para alterar a lei é extremamente complexo e complicado, já que a primazia do herdeiro do sexo masculino está escrita na Constituição de Espanha de 1978.
"A sucessão no trono seguirá a ordem regular da primogenitura e representação, sendo preferida sempre a linha anterior às posteriores; na mesma linha, o grau mais próximo ao mais remoto; no mesmo grau, o homem à mulher, e, no mesmo sexo, a pessoa mais velha à mais nova", lê-se no artigo 57.

A brincar frente aos pais e aos avós durante o batizado da irmã mais nova, Sofia.
© Angel Diz/Pool/Arquivo AFP
Para alterar este artigo na Constituição, é preciso uma maioria de dois terços no Congresso e no Senado. Após a luz verde para efetuar uma mudança, tem de se dissolver ambas as câmaras e convocar eleições, já que o novo Parlamento teria de aprovar também a reforma constitucional, desta vez só por maioria simples. Contudo, o novo texto precisaria novamente de uma maioria de dois terços em ambas as câmaras, tendo a versão final de ser alvo de um referendo.
Apesar do consenso que há em acabar com a primazia do herdeiro do sexo masculino em Espanha, o facto de o projeto de Zapatero envolver também uma reforma da definição de Comunidades Autónomas, a reforma do Senado e a Constituição Europeia (que viria a cair depois) causou divisões e acabou por não avançar.
Dificilmente haverá uma reforma constitucional que aborde só a questão da sucessão, dado o complexo processo e a crise política em Espanha, com o tema a poder aguardar mais uma geração, dado não ser previsível que os reis tenham mais filhos que ameacem a posição de Leonor.

Leonor ao lado do pai, da irmã (de muleta) e da mãe, num passeio por Petra, na ilha de Maiorca, nestas férias.
© EPA/Ballesteros
Relação com o avô
Ao contrário dos primos mais velhos - Felipe e Victoria de Marichalar, filhos de Elena, com 22 e 19 anos, e Juan, Pablo e Miguel Urdangarín, filhos de Cristina, com 20, 19 e 18 anos - que eram crianças quando Juan Carlos gozava de enorme popularidade e respeito -, Leonor (como a prima Irene Urdangarín, quatro meses mais velha) já cresceu a ver o avô envolto nesses escândalos.
Tinha 6 anos quando, em 2012, visitou o avô no hospital, depois de ter sido operado de emergência após a famosa queda durante uma caçada no Botswana, que acabaria por destapar a relação extramatrimonial que tinha com Corinna Larsen.
Uma prova do distanciamento entre o avó e a herdeira do trono foi a ausência de Juan Carlos, em outubro de 2019, na cerimónia de entrega do Prémio Princesa das Astúrias, em Oviedo, no qual Leonor fez o seu primeiro discurso público. A avó Sofía estava presente e foi até mencionada no discurso.

No primeiro discurso oficial, na entrega dos Prémios Princesa das Astúrias em 2019.
© Miguel Riopa/Arquivo AFP
Se Felipe tinha 13 anos no momento-chave do 23-F, Leonor estava à beira de festejar os 12 quando o pai também fez um discurso televisivo à nação noutro momento-chave para a democracia espanhola, após o referendo independentista catalão de 1 de outubro de 2017. Mas se o de Juan Carlos serviu para pôr fim à crise, o de Felipe VI tornou-se mais um argumento dos independentistas catalães contra a monarquia.
Os mesmos independentistas que, à luz da saída do rei emérito de Espanha, exigem agora a renúncia do atual monarca. A herdeira não é imune aos ataques dos catalães, mas surpreendeu-os quando numa cerimónia de entrega dos Prémios Princesa de Girona, que decorreram em Barcelona rodeados de extremas medidas de segurança em dezembro de 2019, falou em catalão.
Em catalão - língua que aprende desde criança junto com o basco e o galego (as outras línguas oficias de Espanha), assim como o inglês, o francês, o árabe e até o chinês -, Leonor lembrou que desde jovem que ouve os pais falarem com "verdadeiro afeto" da Catalunha. E disse que esta "ocupará sempre um lugar especial no seu coração".
Mais recentemente, Leonor chamou a atenção quando alertou o pai, em plena cerimónia de homenagem às vítimas da pandemia do novo coronavírus, para que colocasse a máscara no rosto após terminar o discurso. A herdeira mostrou-se atenta aos pormenores e ao papel que um dia espera vir a desempenhar, caso a monarquia espanhola consiga ultrapassar a atual crise.
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