Khashoggi. O perdão do filho, as críticas da noiva e a denúncia da ONU
A decisão dos filhos do saudita Jamal Khashoggi de "perdoar" os assassinos do seu pai foi apenas mais um passo na "paródia da justiça" da Arábia Saudita, disse a relatora especial da ONU que investigou o caso. Também a noiva do jornalista e ativista disse que ninguém tem o direito de perdoar os executores.
"Nós, filhos do mártir Jamal Khashoggi, anunciamos que perdoamos aqueles que mataram o nosso pai", escreveu Salah Khashoggi no Twitter em nome dos quatro.
Salah Khashoggi disse ter "plena confiança" no sistema judicial saudita, criticando os opositores que diz estarem a tentar explorar o caso.
Os filhos de Khashoggi vivem na Arábia Saudita. Em abril do ano passado, o Washington Post -- jornal no qual Jamal Khashoggi era colunista -- noticiou que os filhos do jornalista assassinado, incluindo Salah, tinham recebido casas milionárias em Jidá e que as autoridades estavam a pagar milhares de dólares por mês. A família negou a notícia.
As consequências legais deste anúncio ainda não são conhecidas. Cinco pessoas foram condenadas à pena de morte e outras três cumprem penas de prisão. Mas analistas acreditam que o anúncio poderá poupar as vidas de cinco pessoas condenadas à morte por causa do homicídio, numa sentença proferida em dezembro.
O anúncio, embora "chocante", era "esperado", afirmou Agnès Callamard, a relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias.
"Todos nós que, nos últimos 20 meses, relatámos a horrível execução de Jamal Khashoggi e a ausência de responsabilização pela sua morte, esperávamos isso. As autoridades sauditas estão a fazer o que esperam que seja o derradeiro ato na sua bem ensaiada paródia de justiça diante de uma comunidade internacional demasiado disponível para ser enganada", escreveu no Facebook.
A perita independente, que não fala em nome das Nações Unidas, pediu ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para dar sequência ao relatório que produziu. "O anúncio de hoje deverá também impulsionar o secretário-geral das Nações Unidas a agir: deve agora ser realizada uma investigação subsequente - uma investigação centrada na cadeia de comando e nas responsabilidades individuais associadas, incluindo aos níveis mais elevados do Estado", defende a francesa.
Callamard disse que a justiça turca deve proceder ao julgamento in absentia e o congresso norte-americano deve pressionar a administração Trump para divulgar as "conclusões mantidas em segredo sobre toda a extensão do papel do príncipe Mohammed Bin Salman no brutal homicídio de Jamal Khashoggi".
Pediu igualmente aos países do G20 para não pactuarem com o regime da casa de Saud, e dessa forma recusarem a realização da próxima cimeira na Arábia Saudita, como está previsto.
Também a noiva do crítico do regime saudita criticou o alegado perdão e o que daí poderá advir. "Nenhuma lei internacional, saudita ou islâmica, permite que os responsáveis por este crime monstruoso saiam em liberdade", disse Hatice Cengiz à AFP.
"Todos sabem que não há liberdade nem justiça na Arábia Saudita sob o atual regime. Jamal tornou-se um símbolo internacional e o seu assassínio um crime internacional que deve ser julgado num tribunal independente", afirmou.
Cengiz reagiu primeiro no Twitter: "A sua emboscada e assassínio hediondo não tem um estatuto de limitações e ninguém tem o direito de perdoar os seus assassinos. Eu e outros não vamos parar até conseguirmos justiça para Jamal."
"Os assassinos vieram da Arábia Saudita com premeditação para o atrair, emboscar e matar. Não perdoaremos os assassinos nem aqueles que ordenaram o homicídio", acrescentou a turca.
Jamal Khashoggi, de 59 anos, foi assassinado e o seu corpo desmembrado no dia 2 de outubro de 2018 no consulado da Arábia Saudita em Istambul, onde tinha ido buscar um documento para poder casar-se com Hatice Cengiz.
Segundo a investigação turca, Khashoggi foi primeiro estrangulado e depois desmembrado numa missão levada a cabo por uma equipa de 15 operacionais. Os seus restos mortais nunca foram encontrados.
As autoridades de Riade enredaram-se numa teia de mentiras e contradições. Após terem negado o crime e apresentado versões contraditórias, alegaram que o homicídio tinha sido cometido por agentes sauditas que agiram pela sua própria iniciativa, sem recber ordens de superiores hierárquicos.
O príncipe herdeiro e líder de facto Mohammed ben Salman foi designado por turcos e norte-americanos como o instigador do crime. MBS, como é conhecido, acabou por assumiu responsabilidade pelo homicídio, mas negou ter tido conhecimento do mesmo antes de este ter sido cometido.
Após um processo que decorreu na Arábia Saudita, de 11 pessoas acusadas, cinco foram condenadas à morte e três a penas de prisão. Os arguidos não foram identificados.
Há um mês, o sistema judicial turco apresentou queixa contra 20 pessoas, incluindo dois próximos de MBS, o antigo conselheiro Saud al-Qahtani e o antigo chefe dos serviços secretos, general Ahmed al-Assiri, que foram identificados como os instigadores do assassínio.