Juiz desculpa violação a jovem de 16 anos por ter boas notas e ser de "boa família"

O rapaz manteve relações com uma colega, inconsciente, na cave de uma festa onde decorria uma festa. Filmou tudo e depois partilhou com os amigos. Caso aconteceu em 2017 e valeu ao magistrado uma repreensão formal.
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O rapaz de 16 anos chegou ao tribunal com uma acusação de violação. O juiz decide não levar o caso a tribunal e diz aos procuradores que acompanharam o caso que a vítima, e a sua família, deviam ter sido aconselhadas a não apresentar queixas contra o jovem, pois tal era capaz de lhe arruinar a vida. Esta fundamentação livrou o rapaz do julgamento e de ser julgado num tribunal de adulto.

Os factos, descritos pelo The New York Times, são estes: a rapariga de 16 anos, ébria, discurso pouco articulado, foi abusada sexualmente por um jovem da mesma idade na cave de uma casa em New Jersey onde decorria uma festa regada a álcool.

O rapaz filmou-se penetrando a jovem, que se encontrava de costas e, segundo os investigadores, partilhou depois o vídeo com os amigos com a seguinte legenda: "Quando a primeira vez que fazes sexo é uma violação."

Depois dos acontecimentos, amigos do rapaz -- conhecido como G.M.C. -- tomaram conta da rapariga, identificada como Mary. Cambaleante e a vomitar, foi levada para casa pela mãe de uma amiga. No dia seguinte, as roupas rasgadas e várias feridas fizeram-na confessar à mãe que temia que "coisas sexuais tivessem acontecido". A marca de uma mão podia ser reconhecida numa das nádegas, uma informação que consta do processo, trazido à luz por uma rádio de New Jersey.

Nos meses que se seguiram a rapariga soube que G.M.C. continuava a partilhar o vídeo, embora garantisse a Mary que não o fazia. Foi a mãe que decidiu apresentar queixa às autoridades, em 2017.

Com base no testemunho de Mary, o ministério público norte-americano considerou que o comportamento do adolescente foi "calculado e cruel". "Esta conduta devia ser punida num tribunal de adultos", disse Christopher J. Gramiccioni.

Abuso sexual ou violação

Em tribunal, o juiz de família deliberou que o caso não era de violação e questionou se era sequer legítimo falar em abuso sexual. De acordo com o NYT, o juiz James Troiano, de 69 anos, considera que para haver violação tem de existir coação por estranhos.

Um "caso tradicional de violação", segundo o juiz, envolve mais do que um homem e uma arma para encurralar. Na sua deliberação, o juiz questiona se a jovem estava mesmo inconsciente.

A fundamentação que ilibou o adolescente prosseguia com referências ao facto de este "ser de uma boa família", "frequentar uma excelente escola", ter "ótimas notas" e ser "escuteiro". Acrescenta que os procuradores deviam ter aconselhado a adolescente e a família a abandonar as queixas que "podem destruir a vida do rapaz", disse o juiz. E acrescentou: "Ele é claramente candidato não só à universidade, mas a uma boa universidade."

Do lado dos procuradores de Monmouth County, a proposta era levar o caso a julgamento e, perante a gravidade dos atos, levar G.M.C a ser julgado num tribunal de adultos.

A decisão de James Troiano teve consequências - uma queixa em tribunal contra o juiz. Num documento de 14 páginas, o magistrado é repreendido pelos seus pares por defender adolescentes privilegiados.

O painel de decisores questiona a decisão do juiz: se está disposto a ser benevolente com um adolescente oriundo de boas famílias e boas notas fará o contrário a um mau estudante?

O outro efeito colateral é que a decisão de Troiano permitirá que o caso da jovem violada possa ser julgado num tribunal superior em lugar do tribunal de família.

Ao tribunal caberá decidir se o menor deve ir a julgamento acusado de um crime sexual.

O assunto tem sido alvo de ampla reflexão nos EUA, um pouco por todo o país. E os juízes têm sido alvo de críticas pela forma como estes casos são tratados.

No que a este assunto diz respeito, um dos casos mais conhecidos aconteceu em 2016 quando um juiz decidiu aplicar uma pena de seis meses de prisão a um jovem estudante da Universidade de Stanford. Tinha sido condenado por agressão sexual a uma mulher inconsciente. Perante a revolta da opinião pública, o caso voltou a ser analisado.

Troiano não é o único juiz de Los Angeles que foi repreendido. Num outro processo que chegou aos jornais, uma juíza impediu um rapaz de 16 anos de ser julgado como adulto, após acusações de que teria violado uma rapariga de 12 anos, em 2017.

A magistrada Marcia Silva viria mais tarde a receber um "puxão de orelhas" dos juízes de recurso, que reverteram a sua decisão, pois chegou mesmo a afirmar que a vítima, "para lá perda de virgindade", não tinha sofrido outros danos.

O entendimento do juiz Troiano, reformado e a trabalhar parcialmente no sistema judicial norte-americano, foi distinto. Considerou que existia uma diferença entre "abuso sexual" e "violação". E sobre as mensagens enviadas aos amigos, diz, "são parvoíces que adolescentes trocam com os amigos."

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