Isabel do Santos contra-ataca Justiça no Twitter

A empresária filha do ex-presidente de Angola diz que a "ordem de confisco" de que foi alvo é "um ataque" à sua família, e "ignora o direito de defesa". E passa o caso para a área política, dizendo que "tem por objetivo encobrir uma política económica falhada".
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Numa série de twitts publicados de rajada no primeiro dia do ano, a empresária Isabel dos Santos acusa o atual poder angolano de "perseguição" à sua família, com o "objetivo de encobrir uma política económica falhada, iniciada após a saída do Presidente Dos Santos" e lança dúvidas sobre o processo judicial de que foi alvo, nomeadamente o arresto das suas contas bancárias e a retirada das participações que detém em nove empresas por ordem judicial.

A empresária filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos escreve em inglês, no twitter, acusando "o atual governo [angolano, liderado pelo presidente João Lourenço] de ter lançado milhares de famílias da classe média na pobreza", notando que a situação em que é alvo "não aponta para um futuro brilhante da justiça angolana", já que, diz, "ignora os direitos de defesa que são a base fundamental de qualquer sistema de justiça credível". O que lhe está a acontecer, acusa, "ilustra o ressurgimento de arbitrariedades em Angola".

O Tribunal Provincial de Luanda decretou na segunda-feira, 30 de dezembro, o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, Sindika Dokolo e de Mário da Silva, chairman da Efacec, administrador da Nos e seu braço direito, e das participações sociais que detêm em nove empresas naquele país.

Isabel dos Santos diz que é a "primeira vez, desde a guerra que o direito de propriedade foi violado, com recurso a mentiras", dizendo que "condena a medida", a que chama "política", violando a "lei". Diz ainda que não teve oportunidade de se defender das "falsas acusações" baseadas em "documentos fabricados". O julgamento, acusa "foi feito em segredo total sem que os advogados ou os diretores das minhas companhias fossem informados dos procedimentos". "Não tive direito a recurso". É o que chama um "julgamento sumário".

Afastamento da conta do General Dino em Portugal

Isabel dos Santos nega, também no twitter, ter alguma coisa a ver com uma conta do BCP em nome de Leopoldino Fragoso Nascimento que foi alvo de uma intervenção policial portuguesa quando tentava fazer uma transferência de dez milhões de euros para a Rússia. Segundo a sentença do Tribunal angolano, esta transferência seria a prova de que se estaria "a ocultar o património obtido às custas do Estado, transferindo-os para outras entidades". De acordo com o despacho, a operação de transferência foi bloqueada pela Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária portuguesa e sria para uma sociedade chamada Woromin Finance Limited num banco na Rússia.

A empresária fez um twitt na manhã de quarta-feira no qual diz que "é falsa e forjada a informação que Isabel dos Santos (sic) ordenou uma transferência de uma conta do General Leopoldino do Nascimento junto Banco Millenium para uma conta na Rússia, e intervenção da polícia judiciária portuguesa, não tendo Isabel dos Santos nenhuma ligação a este assunto". Um twitt anterior, entretanto desaparecido ou apagado mas a que o DN teve acesso, dizia que era "falsa" a notícia e que Isabel dos Santos não teria dado "essa ordem de transferência": "Atenção aos jornalistas pois é uma mentira!"


Já ontem, o comunicado oficial de Isabel dos Santos, a que o DN teve acesso, referia ser "falsa e forjada esta ligação", apelando a que a PGR angolana "se estiver de boa fé, informar sobre os detalhes a suposta instrução bancária de Isabel dos Santos" relativamente à conta bancária de Leopoldino.

Leopoldino Nascimento, também conhecido como General Dino, foi chefe das comunicações do gabinete presidencial de José Eduardo dos Santos e depois consultor do General Kopelipa - o homem da segurança e braço direito de José Eduardo dos Santos. Depois da mudança do poder, o General Dino dedicou-se à sua empresa, o grupo Cochan, que fundara em 2009 e que anuncia ter investimentos nas áreas ado petróleo, agro-indutrial, distribuição, imobiliário e transportes.

O grupo é dono, nomeadamente, dos centros comerciais Xiami, e dos supermercados Kero. Detém também, a título de exemplo, a Biocom, "a única empresa de Angola a produzir e a comercializar açúcar, etanol e energia eléctrica a partir da biomassa" e tem também interesses no petróleo. O general tem também participação no grupo de comunicação social Medianova. Recentemente foi alvo de um processo do estado angolano que lhe exigiu o pagamento de um empréstimo de 29 milhões de dólares que teria sido usado para a compra de uma participação no Banco Económico, ex-BESA.

O processo do fim do ano

Todo este processo está a agitar Angola desde que no dia 30 de dezembro a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu a nota que caiu como uma bomba: o Serviço Nacional de Recuperação de Ativos intentara uma providência cautelar de arresto no Tribunal Provincial de Luanda, na sequência de negócios celebrados pelos três empresários - Isabel dos Santos, Sindika Dokolo e Mário da Silva com o Estado angolano, através das empresas Sodiam, empresa pública de venda de diamantes, e com a Sonangol, petrolífera estatal, que foram lesivos do Estado em quase 1,2 mil milhões de dólares.

O arresto das participações de Isabel dos Santos foi em nove empresas angolanas - Banco BIC, Unitel, Banco BFA, Finstar, ZAP Media, Cimangola II SA, Condis - centros comerciais Candando, Continente Angola e Sodiba, distribuição de bebidas. Mas poderá vir a ter também consequências em Portugal, já que a empresária tem uma posição de peso no capital de quatro empresas nacionais: Nos, Efacec, Galp e . Além disso, nas empresas arrestadas existe exposição direta a companhias portuguesas.

No primeiro dia do ano, Isabel dos Santos decidiu recorrer ao Twitter para contra-atacar. Escrevendo em inglês, além das acusações ao atual governo de Angola detido pelo presidente João Lourenço, a empresária critica também o impacto negativo que a situação pode ter na economia do país, sublinhando que "num momento em que é vital para economia angolana atrair investimento estrangeiro", isso "é um mau sinal para o setor privado".

No último dos quatro twitts que escreveu sobre a questão, Isabel dos Santos conta que "encorajou" as suas equipas e as famílias ligadas às suas empresas "a que "não se rendam às dúvidas e ao desencorajamento", e garante que "continuará a trabalhar com o empenho" que tem sido "a base do seu sucesso".

Comunicado de defesa

Neste comunicado emitido ontem Isabel dos Santos começa a preparar aquela que deverá ser a sua defesa, fazendo várias vezes referência à "boa fé" da autoridades judiciais angolanas e explicando os negócios que estão em causa. Nesse comunicado, recusa a "a afirmação que está a ocultar património obtido à custa do Estado transferindo para outras entidades. Não existe racional ou justificação para o valor apresentado no despacho sentença de 1.136.966.825,56 valor no qual supostamente o Estado foi lesado."

Explicando, por exemplo, o negócio da Galp, diz que "é o investimento mais rentável na história da Sonangol". Desde a chegada ao poder em Angola de João Lourenço, eleito Presidente em 2017, que têm sido recorrentes notícias que apontam para a saída da Sonangol da Galp. Isabel dos Santos recorda que em 2005, aquando da entrada da petrolífera portuguesa, a participação da Sonangol estava avaliada em cerca de 429 milhões de euros, face aos atuais cerca de 960 milhões de euros.

A Sonangol tem uma participação indireta na Galp. A petrolífera angolana controla 60% da Esperaza, com os restantes 40% a pertencerem a Isabel dos Santos. Posteriormente, a Esperaza detém 45% do capital da Amorim Energia, holding que tem uma posição de 33,34% na petrolífera portuguesa. Indiretamente, os angolanos controlam assim 15% da Galp.

"A Esperaza ['joint venture' entre a Sonangol e a Exem Energy, esta de Isabel dos Santos e do marido] recebeu até esta data mais de 217 milhões de euros em dividendos e, tendo como referência o preço atual das ações da Galp Energia em bolsa e após o reembolso do passivo existente, o valor líquido da Esperaza ascende atualmente a cerca de 1,6 mil milhões de euros", afirma o comunicado.

Sobre este negócio envolvendo Isabel dos Santos, a Sonangol e a Galp, o Tribunal Provincial de Luanda deu como provado que a dívida da Exem Energy BV para com a Sonangol "não se mostra paga" e que a Exem deve à petrolífera estatal mais de 75 milhões de dólares, no âmbito da aquisição da participação na petrolífera portuguesa.

"Ao contrário do que é referido no despacho sentença, a Exem executou pagamentos à Sonangol num total equivalente a 75 milhões de euros, dos quais 11,5 milhões de euros em 2006 e 63,5 milhões de euros (montante equivalente em Kwanzas) pagos em outubro de 2017", lê-se no comunicado.

Acrescenta que face à "situação financeira crítica" em que a Sonangol se encontrava em julho de 2017, o então presidente do conselho de administração da petrolífera Paulino Jerónimo "solicitou à Exem o pagamento antecipado do contrato, aceitando e indicando kwanzas como a moeda para pagamento, uma vez que a Sonangol tinha necessidades urgentes de pagamento em kwanzas para as 'cash calls' em dívida a empresas petrolíferas estrangeiras".

Afirma mesmo que a moeda angolana (kwanzas) foi usada pela Sonangol "para importar combustíveis e garantir que não haveria interrupção do fornecimento de combustível ao país". Contudo, admite também a empresária, em janeiro de 2018, o então presidente do conselho de administração da Sonangol Carlos Saturnino (que sucedeu a Isabel dos Santos após a exoneração decidida pelo Presidente angolano, João Lourenço) "deu ordens para que se procedesse à devolução dos valores pagos pela Exem", decorridos quatro meses desde a sua transferência.

Após esta decisão, segundo Isabel dos Santos "iniciou-se um litígio entre a Exem e a Sonangol na Holanda", rejeitando por isso a existência dessa dívida. Sobre a entrada angolana na Galp, Isabel dos Santos afirma que o "diálogo para a oportunidade de investimento cruzado em Angola e Portugal, surgiu entre os parceiros, com assessoria do Banco Santander como consultor financeiro e da sociedade de advogados Linklaters como consultor jurídico". "A Sonangol não fez parte da fase inicial do processo, tendo sido abordada mais tarde", afirma Isabel dos Santos.

Recorda que a compra da participação na Galp foi concluída em dezembro de 2005, tendo os sócios da Amorim Energia "concordado que o investimento seria tripartido, ou seja, Grupo Amorim, Exem e Sonangol". Segundo Isabel dos Santos, a Esperaza assumiu uma participação na Galp avaliada em cerca de 715 milhões de euros, tendo a mesma sociedade, de direito holandês, investido à volta de 195 milhões de euros, tendo o remanescente sido financiado por um empréstimo bancário contratado pelos parceiros no montante de 520 milhões.

"Em suma, 85% do investimento da Esperaza foi financiado por um conjunto de linhas de crédito bancário, sem garantias da Sonangol, nem garantias de petróleo, apenas com as ações como garantia", afirma Isabel dos Santos, que em 2016 chegou a assumir o cargo de presidente do conselho de administração da petrolífera angolana.

Empresária desmente a venda da participação na Unitel "a um suposto cidadão árabe, devendo então a PGR, caso esteja de boa fé, informar o público o nome do cidadão árabe contactado e pormenores das datas de reunião e outras diligências realizadas. E os contactos com autoridades japonesas "para realizar investimentos de um bilião de Dólares, devendo igualmente a PGR, caso esteja de boa fé, informar o público que entidades japonesas foram supostamente contactadas pela requerida e em que datas."

A empresária afirma ainda que"desconhecendo o teor da acusação contra si, não teve oportunidade de apresentar defesa." Diz que "o Tribunal afirma que fundou a sua convicção nos documentos juntos aos autos pelo requerente PGR e nos depoimentos constantes da acta de inquirição de testemunhas" e pergunta: "Quem são estas testemunhas que revelam ter conhecimento directo da maioria dos factos sobre os quais depuseram? E que documentos são estes apresentados ao tribunal?", concluindo que "os factos dados como provados para fundamentar o decretamento do arresto de bens de Isabel dos Santos padecem de evidentes falsidades, imprecisões e omissões".

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