Como conseguir o apoio do Parlamento britânico?.Theresa May, a primeira-ministra cessante, falhou em ver o acordo do Brexit que negociou com a UE27 aprovado na Câmara dos Comuns. Três vezes foi a votos. Três vezes chumbou. Porém, a mesma Câmara dos Comuns também não conseguiu chegar a uma alternativa que reunisse o apoio de uma maioria absoluta dos deputados britânicos. Nem quando conseguiu o take back control. O processo dos votos indicativos tampouco foi capaz de produzir uma alternativa (May perdeu a maioria que os conservadores tinham após as legislativas antecipadas de 2017). A chefe do governo conservador, que sempre disse preferir um Brexit com acordo a um No Deal Brexit, viu-se forçada a pedir o adiamento da saída da UE. Por duas vezes. Atualmente, a data indicativa para o Brexit acontecer é 31 de outubro..Boris Johnson, o favorito na corrida à liderança do Partido Conservador, disse durante a campanha que o Reino Unido sairá da UE nessa data. Com ou sem acordo. O problema é que durante o processo dos votos indicativos os deputados manifestaram-se contra um No Deal Brexit. Nesta quinta-feira, a Câmara dos Comuns, depois de a Câmara dos Lordes ter feito o mesmo, aprovou propostas no sentido de tornar mais difícil ao novo primeiro-ministro um No Deal. Essa manobra permite que o Parlamento se reúna para debater a situação na Irlanda do Norte várias vezes em outubro e novembro, tornando assim difícil a sua suspensão. Isto depois de ter saído na imprensa que Johnson, caso suceda a May, pretende suspender os trabalhos do Parlamento de modo a limitar a ação dos deputados e a concretizar mais facilmente um No Deal Brexit. Além disso, vários conservadores como Dominique Grieve ou Philip Hammond indicaram que poderão apoiar uma moção de censura contra Johnson se este insistir num no Deal. Hammond, atual ministro das Finanças, ameaçou demitir-se do cargo caso o próximo primeiro-ministro do Reino Unido seja, efetivamente, Boris Johnson. No mesmo sentido falou o ministro da Justiça, David Gauke..O que fazer com o backstop e a Irlanda do Norte?.Os dois rivais na corrida à liderança dos Conservadores, Boris Johnson e Jeremy Hunt, estão de acordo em pelo menos uma coisa: o backstop, ou seja, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda depois do Brexit, está morto. Mas será assim? Será mesmo assim? Michel Barnier, o negociador-chefe para o Brexit da Comissão Europeia, voltou nesta quinta-feira a dizer que não. Que o backstop faz parte do acordo de retirada do Reino Unido da UE e que esse acordo não está aberto a renegociação. A única coisa sobre a qual a UE27 aceita renegociação é a declaração política sobre o que será no futuro a relação entre o Reino Unido e a União Europeia..Assim sendo, o novo primeiro-ministro britânico enfrentará um dilema: executar o Brexit sem acordo e pôr em causa a integridade territorial do Reino Unido, ou levá-lo a bom porto com um acordo que salvaguarde o lugar da Irlanda do Norte no Reino Unido, mas ultrapassando as linhas vermelhas do Partido Conservador no que toca ao dossiê do Brexit. Se enveredar pelo primeiro caminho, isso poderá levar a que o apoio a um referendo sobre a reunificação da ilha da Irlanda aumente. Este está previsto no chamado Acordo de Sexta-feira Santa. Assinado em 1998, pôs fim a décadas de conflito sangrento entre unionistas anglicanos e republicanos católicos, de que resultaram 3500 mortos e 50 mil feridos. A tensão persiste. Até hoje. Prova disso foi a morte da jornalista Lyra McKee, de 29 anos, em abril, quando cobria um tiroteio em Londonderry, que foi tratado pelas autoridades como um incidente terrorista..Como evitar uma possível recessão económica?.Se o Reino Unido decidir sair da União Europeia sem um acordo, o país enfrenta a possibilidade de entrar em recessão em 2020 e isso criaria um buraco financeiro de 33 400 milhões de euros nos cofres públicos durante quatro anos seguidos. O aviso surgiu nesta quinta-feira da parte da unidade de controlo orçamental britânica OBR, que estudou o impacto de um No Deal Brexit e alertou para uma dívida de mais de dois mil milhões de euros em 2024. Algo que, a acontecer, seria histórico..A instabilidade gerada pelo Brexit, saída/não saída, adiamento/não adiamento, levou a uma queda da libra face ao dólar e face ao euro. Na quarta-feira, a libra chegou a estar a 1,1045 face ao euro. Face ao dólar, chegou aos 1,2383, quando há dois meses estava nos 1,3272. Alguns relatórios indicam que se a tendência se mantiver ambas as divisas poderão chegar a equiparar-se, como sucedeu nos anos 1980, recorda um artigo do jornal El Mundo..Isso poderia pôr em causa as ambições internacionais do Reino Unido. Vários governos britânicos celebraram o facto de o seu país ser o único a gastar 2% do PIB em defesa e 0,7% em ajuda ao desenvolvimento. Porém, Thomas Raines, num artigo publicado no site da Chatham House, recorda que isso mascara as pressões que existem sobre o sistema. "Existem problemas significativos em relação ao orçamento de defesa e um diferencial crescente em relação aos compromissos assumidos e os fundos destinados a esses mesmos compromissos"..Deve haver um segundo referendo na Escócia?.A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, comprometeu-se a realizar um segundo referendo sobre a independência escocesa antes de 2021. Isso deixa o futuro primeiro-ministro com duas opções. Transferir para a Escócia o poder de realizar um segundo referendo. Ou atrasar a permissão para a realização desse referendo, como, de resto, já fez Theresa May..No primeiro caso, isso poderia ser um risco calculado. "Uma vez que as sondagens mostram um tímido aumento entre os apoiantes da independência, isso pode ser um risco calculado. Mas confiar na sorte quando a questão são referendos é algo que tem uma hipótese de sucesso limitada - tal como David Cameron comprovou em 2016", escreveu Gareth Evans, professor de Direito da Universidade de Staffordshire, em Inglaterra, na publicação académica The Conversation. A 18 de setembro de 2014, 55,3% votaram contra a independência da Escócia, 44,7% a favor..No segundo caso, apesar de o chefe do governo ter poderes para um tal adiamento, isso implicaria fazer novas concessões no que toca ao Brexit e dar mais poderes ao governo da Escócia. "Se o próximo primeiro-ministro escolher fazer um simples exercício da autoridade legal para manter a integridade territorial do Reino Unido, isso pode danificar a confiança e a estabilidade na Escócia", avisa o académico naquele artigo, lembrando que no referendo de 23 de junho de 2016 sobre o Brexit o Reino Unido votou pela saída mas a Escócia pela permanência na UE (62% dos escoceses votaram contra o Brexit, enquanto a nível nacional 51,9% dos britânicos votaram a favor)..Como lidar com Donald Trump?.Boris Johnson, o favorito para suceder a May no n.º 10 de Downing Street, prometeu ser robusto com o presidente dos EUA, Donald Trump, caso chegue a primeiro-ministro. Mas num debate com Jeremy Hunt recusou-se a defender o ex-embaixador britânico nos EUA. Kim Darroch foi criticado por Trump depois de terem vindo a público conversas privadas em que o diplomata classificava o chefe do Estado dos EUA como "inapto", "inseguro" e "disfuncional". Johnson foi criticado por isso e o atual secretário de Estado para a Europa e Américas, Alan Duncan, acusou-o de "basicamente ter atirado um diplomata fantástico para debaixo de um autocarro para servir os seus interesses". Darroch demitiu-se de embaixador. (E Duncan demitiu-se de secretário de Estado esta segunda-feira em protesto contra Boris Johson).."Um novo primeiro-ministro tem de decidir como quer gerir as relações com a administração dos EUA, se quer desafiar e condenar um presidente que age contra os interesses britânicos ou se quer usar uma diplomacia mais suave e discreta para tentar influenciá-lo. A estratégia de Theresa May, no sentido de estar politicamente perto do presidente e jogar com o seu ego, valeu-lhe de pouco em termos políticos. Mas outros líderes mundiais também não conseguiram melhor", notou Thomas Raines, no artigo publicado no site da Chatham House..Perante isto, continuará o Reino Unido alinhado com os europeus na defesa do acordo sobre o nuclear iraniano, como tem feito até agora, enquanto os EUA tentam miná-lo? Depois dos incidentes no estreito de Ormuz, o Reino Unido ficou um pouco mais perto de passar para o campo de Trump, que diz que o Irão engana toda a gente e procura o confronto e chegar à arma nuclear. O novo líder britânico considera boa ideia um acordo de comércio com os EUA nesta fase? A garantia de segurança da Europa pelos EUA está assegurada na era Trump? Todas estas questões serão algo que o novo chefe do governo britânico terá de levar em conta nas suas decisões..Economia ou segurança? Qual a prioridade nas relações com a China?.O Reino Unido, à sua própria maneira, enfrenta um desafio comum a todos os países: como encontrar um equilíbrio entre os benefícios económicos e financeiros de uma boa relação com a China e as preocupações que existem sobre uma política interna repressiva e uma posição mais forte dos chineses tanto a nível regional como global?.Ao sair da UE, o Reino Unido tem de olhar para novos parceiros económicos. Muito se tem falado do Japão, dos EUA e também da China. Se sair da UE sem acordo, a ajuda desses parceiros económicos alternativos poderá revelar-se ainda mais importante. Por outro lado, a guerra comercial entre os EUA e a China, que conheceu uma trégua depois da cimeira do G20, poderá deixar o próximo líder britânico entre a espada e a parede..No polémico caso da Huawei por causa da rede 5G isso é premente. De um lado, a pressão económica da China. Do outro, a pressão por questões de segurança dos EUA. Isto sem que o Reino Unido, depois de sair da UE, possa contar com o apoio europeu, pelo menos o mesmo tipo de apoio que tem agora enquanto Estado membro. Em maio, Theresa May demitiu o ministro da Defesa, Gavin Williamson, por fuga de informação sobre um acordo que terá sido discutido durante uma reunião do Conselho de Segurança Nacional. Segundo publicou a imprensa britânica na altura, a primeira-ministra acordou que a chinesa Huawei ajudasse a desenvolver a rede 5G no Reino Unido, apesar dos vários alertas feitos sobre os riscos de segurança..O próximo primeiro-ministro britânico terá de tentar encontrar um equilíbrio entre a China de Xi Jinping e os EUA de Donald Trump. Ou então aceitar as consequências de tomar diretamente partido de um dos lados em termos de comércio, tecnologia, etc..., sublinha Thomas Raines no artigo publicado no site da Chatham House. Boris Johnson ou Jeremy Hunt? Um deles terá todas estas escolhas entre mãos.