A mulher que quer tirar a fama de prostituta a Maria Madalena

Jennifer Ristine vive há quatro anos no local onde alegadamente Maria Madalena terá nascido e conhecido Jesus Cristo quando este ali foi pregar
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A diretora do Instituto Magdala publicou recentemente um livro que investiga a que considera ser a verdadeira história de Maria Madalena. A sua principal aposta é dar uma nova biografia à mulher que a maioria das pessoas sempre conheceu como sendo uma prostituta. Jennifer Ristine não concorda e nesta entrevista explica os seus argumentos para fazer de Maria Madalena uma apaixonada seguidora de Cristo e de como se entregou a esta tarefa.

A questão é sempre a mesma: Maria Madalena foi ou não uma prostituta?

A questão de Maria Madalena ser ou não prostituta tem sido altamente debatida. Um número alargado de estudiosos das escrituras acredita que não era uma prostituta, mas que foi associada falsamente com o pecador que ungiu os pés de Jesus em Lucas 7: 36-50. Muitos veem uma prostituta como uma mulher pobre vendendo o seu corpo para fazer face às despesas, mas essa ideia já foi desmentida, principalmente do ponto de vista bíblico.

O Evangelho está errado?

Com os achados arqueológicos na sua cidade natal, pode-se compreender de outra forma quando em Lucas 8: 2-3 se menciona Maria Madalena e várias outras mulheres que cuidam de Jesus com os seus próprios recursos. Desde a descoberta da parte norte da antiga Magdala, a partir de 2009, as escavações apontam para uma cidade rica na costa da Galileia, o que dá credibilidade à possibilidade de Maria de Magdala ser uma mulher rica, provavelmente independente. Se estava ou não envolvida num estilo de vida ilícito e escandaloso, essa perceção não pode ser feita a partir de evidências bíblicas ou arqueológicas, até porque as escrituras referem que Jesus a libertou de sete demónios, uma situação que não deve ser interpretada de ânimo leve.

Então, a pergunta mantém-se: Maria Madalena era ou não uma prostituta?

O Papa Gregório Magno, em 591, introduziu a designação "prostituta", mas o Papa Francisco, em 2016, reconheceu a santidade de Madalena.

Porquê essa diferença nas opiniões da Igreja?

Porque na horrível homilia de Gregório ele expressou uma crença muito popular da Igreja do seu tempo no Ocidente: que Maria de Magdala era a mulher pecadora que ungia os pés de Jesus e também Maria de Betânia. Ele escreveu: "Aquela que Lucas chama a mulher pecadora, a quem João chama Maria, acreditamos ser a Maria de quem sete demónios foram retirados de acordo com Marcos". Essa identificação das mulheres pecadoras com Maria de Betânia e Maria de Magdala é comum dentro da tradição da Igreja Ocidental, enquanto a tradição oriental e ortodoxa tende a identificar essas mulheres como três pessoas separadas. Tanto assim que o debate dura há muito tempo e no século IX, a Igreja Ocidental aceitou a tradição de que as três seriam a mesma Maria de Magdala. A recusa dessa tradição surge com a Reforma Protestante do século XVI. Outra rejeição dessa "teoria de 3 em 1", ou como alguns chamam, de Madalena composta, resulta de estudiosos da Bíblia do século XX. À luz desta discussão, a Liturgia Católica voltou a reformular-se em 1969 e as orações litúrgicas do dia da festa de Maria Madalena refletem o seu papel como sendo a primeira testemunha da ressurreição e seu amor constante quando se abraçou a Jesus antes de ser mandada proclamar as boas novas da sua ressurreição (João 20). As orações deixaram de a identificar com Maria de Betânia e a "mulher com o jarro de alabastro", tanto assim que é interessante notar-se que não existe um dia especial na Igreja Católica para Maria de Betânia.

As escavações arqueológicas revelam toda a vida e o perfil de Maria Madalena?

A arqueologia é uma ciência que dá pistas sobre a possível cultura e estilo de vida de um povo. Se compararmos as descobertas arqueológicas com os textos históricos e as reflexões dos historiadores sobre a Galileia no século I, podemos deduzir que Magdala era uma cidade pesqueira judaica próspera e que ficava numa região que Jesus e os seus discípulos devem ter atravessado. A professora Marcela Zapata e sua equipa da UNAM e das universidades Anahauc no México, bem como Dina Avshalom-Gorni e Arfan Najjar, membros das autoridades israelitas das Antiguidades, descobriram uma sinagoga do século I, quatro banhos de purificação judaica e o porto, da mesma época. E por este local, no século XXI, já passaram mais de 400 mil visitantes desde 2014 para refletir sobre esta Encruzilhada da história judaica e cristã onde Jesus provavelmente terá pregado. A imaginação do evangelho ganha vida aqui e os visitantes podem até questionar como Maria Madalena seria: uma espectadora curiosa que ouvia Jesus pregar na sinagoga, no mercado ou num barco perto do porto.

O que falta descobrir sobre Maria Madalena?

Mais do que descobrir novas informações sobre Maria Madalena, vivemos a alegria de desfazer a beleza de uma vida transformada pelo encontro com o amor incondicional de Jesus. Esta é uma história relevante para toda humanidade hoje.

O que faz o Instituto Magdala?

O Instituto Magdala deseja promover a dignidade da pessoa, com particular ênfase nas mulheres. Até agora, realizámos quatro simpósios, em que participaram mulheres de várias religiões e com as contribuições próprias do seu género.

Como se interessou por Maria Madalena?

Por volta de 2006, li várias passagens da Sagrada Escritura que associei a Maria Madalena e senti que falava comigo. Eu admirava o seu amor puro e apaixonado por Jesus, tal como a sua fidelidade ao pé da cruz. Quando digo amor "puro", refiro-me a um amor que está centrado em Jesus acima de tudo, enquanto todo o resto tem um lugar próprio: afetos, objetos materiais, atitudes. Nessa altura percebi como é fácil criar ídolos em torno de pessoas, de coisas e mim mesmo. Então, decidi sentir esse mesmo amor por Jesus como inspiração para a minha vida e atitudes.

E a parte prática, como gerir o Instituto Magdala, surge como?

Em 2014 recebi um telefonema da minha superiora a perguntar se eu consideraria ajudar no projeto em curso em Magdala, na Terra Santa. Desde então, ao longo de quase quatro anos em Magdala, tem-me impressionado a humanidade de Maria Madalena e como Jesus entrou na sua vida confusa ao "dar-lhe autorização" para dar significado à sua vida. Em Lucas 8: 2-3, Maria Madalena surge mencionada como uma das mulheres que acompanhou Jesus, ajudando-o com seus próprios recursos [financeiros]. Acredito, contudo, que ela deve ter-se sentido, finalmente, acompanhada por alguém que realmente a entendeu e a amou de forma incondicional.

O que a levou a escrever este livro. Existia algo mais que precisava ser dito?

Confesso que me fiz a mesma pergunta.... Porque irei acrescentar mais um à pilha de livros que existem sobre Maria Madalena? No meu caso, creio que tenho uma perspetiva "interior". Eu vivo na Terra Santa, mais especificamente na sua cidade natal, durante os últimos quatro anos. E,apesar de toda a literatura existente, ouvi inúmeras perguntas feitas por pessoas que nos vistam. Além de que escutei por parte de guias, responsáveis por grupos de viajantes, e visitantes, muito do que pensam sobre Maria Madalena e, muitas vezes, o que ouço é uma mistura de opiniões que não se encaixam na história das escrituras canónicas. No ano passado, por exemplo, tivemos mais de 130 mil visitantes em Magdala. Que pediam livros sobre Maria Madalena e sobre a antiga Magdala, foi daí que surgiu a ideia de escrever um livro que abordasse essas dúvidas e onde pudesse integrar, utilizando a minha leitura do evangelho, várias passagens que ilustrassem a experiência de Jesus com Maria Madalena se ela tivesse vivido na realidade em Magdala na época do ministério público de Jesus.

O seu desejo passa também por inspirar os visitantes?

A minha esperança é que este livro possa servir a muitos leitores, a partir do qual podem ter uma visão da sua cidade natal e do mistério que ainda rodeia Maria Madalena. Ao utilizar os meus conhecimentos através de arqueologia, das escrituras, das tradições e de reflexões espirituais, espero poder inspirar os leitores a refletirem sobre sua jornada de vida e que, de qualquer maneira, possam identificar-se com Maria Madalena. Também é um ato de gratidão ao Senhor.

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