Há por estes dias uma piada entre os empregados de mesa dos restaurantes de Jerusalém Oriental. Quando um cliente lhes pergunta se o vinho que pediram é israelita, eles respondem: "Se ainda não é, vai ser em breve." As encostas dos Montes Golan, onde se recolhe uma boa parte da produção vinícola da região, são território ocupado por Israel. E quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse na semana passada que pretendia anexar partes da Cisjordânia ao país, a anedota espalhou-se: é apenas uma questão de tempo até a Palestina perder o que lhe sobra de vinha..Tony Batrawi ri para não chorar. É palestiniano de passaporte azul, o que significa que vive em Jerusalém - e por isso tem o privilégio de entrar e sair quando quer. A maior parte da sua família tem passaporte laranja, vive na Cisjordânia, e não lhe faltam amigos com identificação vermelha, os que são de Gaza. Os primeiros demoram em média três horas para chegar a Israel, os segundos raramente conseguem passar a fronteira. "Estamos cada vez mais espremidos, e estas eleições só estão a piorar as coisas", diz enquanto serve uma garrafa de Cabernet Sauvignon no Wine and Cheese, casa famosa no Levante da cidade. A sua teoria é a de toda a gente: "Agora que Trump mudou a embaixada americana para aqui, o governo israelita sente que pode fazer o que bem entender.".Para quem vive em Ramallah, a 22 quilómetros de alcatrão e um mundo inteiro de distância, as eleições de hoje valem uma mão cheia de coisa nenhuma. "Das duas, uma. Ou o Likud de Netanyahu vai aliar-se à direita, ou então junta-se à extrema-direita", diz Nour Odeh, antiga porta-voz da Autoridade Palestiniana na Cisjordânia e analista política. Refere-se ao Partido Azul e Branco e a Nova Direita, que a maior parte dos analistas dizem serem parceiros mais que prováveis do Likud. "O efeito aqui é o mesmo. Neste momento, as pessoas vivem em modo de alerta, à espera que as pedras comecem a rolar pela ladeira e comece a avalanche.".Nour tem o seu ponto. Nas ruas da capital palestiniana, cafés com nomes como Che Guevara, Free Palestine ou Do Rio ao Mar, slogan independentista dos territórios, os homens (só os homens) sentam-se com ar desanimado e a revolta que mastigam no meio do fumo dos narguilés direciona-se todinha para o presidente norte-americano. Trump, afinal de contas, decidiu mudar a embaixada dos Estados Unidos de Telavive para Jerusalém - dando um claro sinal de que não iria ter grande cuidado com a posição árabe nem respeito pelos últimos acordos de paz, celebrados em Oslo em 1993..Vistas daqui, as eleições israelitas não são mais do que o arranque de uma história que já está escrita. O presidente norte-americano anunciou que ia apresentar um plano de paz depois do escrutínio, mas Nour acredita que chamar-lhe paz é uma ofensa. "A forma como Netanyahu se comportou, ameaçando anexar e invadir território [o primeiro-ministro anunciou na segunda-feira a construção de 770 novas casas em colonatos na Cisjordânia], mostra que ele se sente completamente à vontade para jogar xadrez, mas exclusivamente segundo as suas regras.".A jornalista Shuruq Batrawi, primeiro rosto feminino da Palestine TV e hoje correspondente da Dubai TV, concorda que a Palestina está a ser empurrada para um beco sem saída, mas isso não significa que o território esteja isento de culpas. É que em Gaza governa o Hamas e na Cisjordânia a Fatah. "Os dois não se entendem e Netanyahu está a jogar com isso. Enquanto vai apoiando um, vai retirando o tapete a outro. E com isso está a conseguir duas coisas. Para o resto do mundo, Hamas significa terrorismo e Fatah corrupção. Para os palestinianos, os dois significam o mesmo: falhanço.".As sondagens indicam por isso que há cada vez menos palestinianos, sobretudo jovens, a acreditarem na independência. No final do ano passado, o Centro Palestiniano de Investigação e Pesquisa concluiu que apenas 43% da população acredita agora que Israel e Palestina tenham condições para formar ser dois estados separados. "Cada vez mais gente admite um único país", admite Shuruq. "Mas toda a gente teme que tenhamos um país com duas categorias de cidadãos, como no apartheid sul-africano. Todos os sinais que os políticos israelitas dão, sejam eles quais forem, apontam nesse sentido.".Em Jerusalém, Nimrod Goren, professor universitário e diretor do Mitvim - Centro de Estudos em Política Internacional, diz que Netanyahu conseguiu o impossível: "Ganhou um apoio sem precedentes de Washington e dividiu os países europeus ao ponto de hoje não conseguirem cumprir o seu papel de moderador habitual entre as duas partes." Na sua opinião, ganhe quem ganhe em Israel, neste momento não se coloca a opção de haver um único estado com direitos iguais para todos os cidadãos..Mesmo assim, Nimrod não quer acreditar na instituição de um apartheid a médio prazo - "mesmo com a escalada da extrema-direita em todo o mundo seria demasiado terrível em termos diplomáticos." Então no que acredita o professor? "Que Israel avance com mais colonatos mas mantenha as coisas como estão. É o mais lucrativo neste momento, económica e politicamente"..Para quem vive em Ramallah, no entanto, aquilo que está em causa hoje é a escolha entre o mal e o mal menor. Abbous Amoud, pastor de um rebanho de 30 ovelhas, todos os dias cumpre um caminho de 6 Km a pé com os animais para vir apascentar o rebanho ao centro de Ramallah, mesmo no meio dos edifícios altos da avenida de Tóquio - à volta da qual se concentra o centro de negócios da cidade. A sua história explica toda a angústia palestiniana nestas eleições.."O meu pai era pastor, o meu avô era pastor e eu também sou." No tempo dos seus antepassados, o gado alimentava-se nos terrenos atrás da sua casa, na aldeia de Adeba. Mas há coisa de 15 anos Israel começou a construir ali um grande colonato - e sempre que ele tentava ir para lá, os novos habitantes expulsavam-no. "Quando me queixei aos guardas, mataram-me uma ovelha. E às vezes ainda o fazem, só para se divertirem." Começou por isso a cumprir a rota do alcatrão, de vez em quando vê um dos bichos desorienta-se com o trânsito e é atropelado..Agora Netanyahu promete construir mais 770 casas na Cisjordânia e o homem sabe que os terrenos que tem por diante são ambição hebraica, teme ficar cercado sem erva onde pastar as ovelhas. "Eu tenho bons braços, posso safar-me como pedreiro ou mecânico numa sucata. Mas os bichos é que não, e se for mesmo esta a ideia deles vou ter de vendê-los a todos. É uma pena, sabe, este é um dos melhores rebanhos que há em toda a Palestina? E quem é que ganha se ele desaparecer?".*O jornalista viajou ao abrigo da bolsa de reportagem EUPOL da União Europeia