12 maio 2018 às 00h36

"Já estou a pensar na campanha do rejoin depois do brexit"

Entrevista ao eurodeputado britânico Charles Tannock, do Partido Conservador de Theresa May, que é contra o brexit.

Susana Salvador

O eurodeputado britânico, europeísta convicto, tem a noção de que dentro do Partido Conservador está cada vez mais isolado. Crítico da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), Charles Tannock fez ontem um balanço do brexit num almoço-debate organizado em parceria entre o International Club of Portugal e a Eupportunity. Ao DN, num português perfeito que fala desde criança por ter vivido em Portugal, falou dos desafios de um Reino Unido isolado e do futuro da UE.

No almoço-debate disse que considera o brexit um ato egoísta. Porquê?

Porque não é só uma questão do futuro do Reino Unido. Vai também enfraquecer e empobrecer o resto da UE. Porque geopoliticamente ambos vão sofrer. O Reino Unido é a sexta economia global, então o PIB da UE vai diminuir. E o Sr. Vladimir Putin fica muito contente com isso. Em termos de segurança e defesa, o Reino Unido é membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é um poder nuclear, tem um exército que é um dos melhores da Europa junto com o dos franceses. A União Europeia vai perder, mas o Reino Unido também. Por exemplo, como vimos agora recentemente, na questão do envenenamento dos Skripal, a solidariedade foi ótima e fantástica no resto da Europa.

À exceção de Portugal...

Sim, Portugal foi um pouco uma desilusão nesse sentido, mas falo em termos globais. Na questão de Donald Trump e do protecionismo nas exportações do aço, foi o bloco da UE que o convenceu a fazer uma isenção aos 28. Os japoneses, por exemplo, vão ter de pagar as tarifas. A massa crítica é importante na economia e nos tratados internacionais. Nós beneficiamos de todos os 62 acordos de livre comércio e vai ser muito difícil renegociar com as mesmas regalias e privilégios. Portanto, não vejo como é possível haver um win/win. O brexit é destrutivo. E também é egoísta porque estamos a abandonar os nossos aliados mais próximos, como Portugal.

Sem o Reino Unido, que peso terá a União Europeia face aos EUA e Rússia?

O Reino Unido será mais fraco, estaremos mais isolados. Trump é uma figura que não se pode prever o que vai fazer. Mas, por exemplo, os EUA vão sair do tratado nuclear com o Irão e o Boris Johnson [chefe da diplomacia britânica] já disse que ficará mais perto da posição europeia dos 27. Estamos a alinhar-nos com a UE contra o nosso parceiro tradicionalmente mais próximo. Este é o paradoxo do brexit. Não há dúvida que para Putin é uma questão estratégica ser contra qualquer bloco que não é amigo dos governos autoritários, não democráticos que ele representa.

Após mais de um ano de negociação de brexit, quem é que está a ganhar?

Um dos problemas foi a ideia de que a UE precisa mais do Reino Unido do que este precisa da UE. Foi um grande erro. No início houve uma posição bastante hostil contra os 27. Falou-se, por exemplo, de os cidadãos europeus como moeda de troca e que podiam ir assobiar que não íamos pagar nada... Pouco a pouco o Reino Unido teve de fazer concessões e vai continuar a fazer. Haverá nos próximos meses um voto na Câmara dos Comuns e vamos ver se Theresa May consegue ir avante com o hard brexit que oficialmente ainda deseja. Eu acho que vai haver mais concessões.

Quer dar um exemplo?

É provável que faça concessões na livre circulação, porque a indústria precisa da mão-de-obra europeia, sem ela não há produtividade. E os números de entradas estão a baixar rapidamente. Em termos de demografia, não há um número ilimitado de polacos e portugueses que possam ir para o Reino Unido. Esse problema era temporário. Se o David Cameron tivesse feito o referendo dois anos mais tarde, quando a zona euro estava a crescer e os números da imigração teriam baixado, acho que teria tido outro resultado. O timing é tudo.

E qual é o papel da oposição?

Jeremy Corbyn é um extrema-esquerda antieuropeu, porque vê na UE um projeto capitalista de livre mercado, mas a grande maioria dos trabalhistas são europeístas. A questão-chave nesse voto é saber quantos são os rebeldes do Partido Conservador. Não há muitos, mas são de grande convicção. Será que têm a coragem de votar contra o governo, correndo o risco de este cair e de haver um governo socialista do Corbyn? Isso mete muito medo aos conservadores.

E um autogolpe dos conservadores que defendem um hard brexit para afastar May, caso esta faça concessões?

Também é possível, mas é improvável. Não sei se têm o número suficiente para isso, mas não há dúvida que muitas destas pessoas são fanáticas e querem que a primeira-ministra imponha uma visão de divórcio total da Europa.

Qual será o timing se quiserem afastar May internamente?

Dois ou três meses. Os irlandeses já disseram que querem que esteja tudo despachado, ou pelo menos a questão da fronteira, na cimeira de outubro. A fronteira com a Irlanda tem implicações no eventual acordo de livre comércio com os 27, que será concluído só na fase transitória. Está tudo ligado, por isso acho que em outubro já saberemos melhor onde isto vai acabar. O Parlamento Europeu também terá de decidir em dezembro. Se não houver um acordo que garanta os direitos dos cidadãos europeus, acho que não vai apoiar isto.

O receio dos nacionalismos na Europa parece não estar a concretizar-se...

Há uma mensagem mista. Se Marine Le Pen tivesse ganhado em França, não há dúvida que teria sido o fim do projeto. Também houve bons resultados eleitorais do ponto de vista europeu na Holanda ou na Áustria. Temo o que está a suceder em Itália, com este possível governo entre o 5 Estrelas e a Liga Norte. A Liga é populista e antieuropeísta. O 5 Estrelas nem tanto, são mais anticorrupção, reformistas. Duvido muito que o Luigi de Maio aceite um referendo para sair da UE, mas talvez aceite um para sair do euro, o que também não é muito útil. Seria um desastre para a economia italiana. Seria um colapso como o grego.

Isso significa que o projeto europeu não está em risco?

Por enquanto não, mas nunca se deve dizer nunca. O projeto europeu surpreende sempre, consegue sempre reanimar-se. Mas não há dúvida de que não há nenhum Estado membro que vá seguir o caminho do Reino Unido, pelo menos por enquanto. Aliás, eu já estou a pensar na campanha do rejoin, depois do brexit, sobretudo com os jovens, para voltarmos a entrar na UE no futuro. Não sei se viverei suficientes anos para ver isso, mas espero que sim.

Em relação a Portugal. Temos de estar preocupados?

Acho que não haverá grandes efeitos económicos para Portugal. A maior exportação portuguesa são peças de automóvel. Se não houver acordo, vai ser um desastre, mas acho que vai haver um acordo como país terceiro e não haverá tarifas aduaneiras. No turismo, o problema é a queda da libra com a contração da economia, sendo mais caro para os ingleses virem cá passar férias. Esse efeito já se vê um bocadinho. Mas os laços que temos com Portugal são muito profundos e antigos. Há talvez 500 mil portugueses e lusodescendentes no Reino Unido. E estou muito otimista com uma sugestão que fiz, para que o Reino Unido se tornasse observador permanente perante a CPLP, a lusofonia. É possível que possa acontecer em julho.