Começa o cerco a Trump. E quem o lidera é uma mulher de 78 anos
Aos 78 anos, Nancy Pelosi foi esta quinta-feira eleita presidente da Câmara dos Representantes. É um cargo que conhece bem - foi a primeira mulher eleita speaker, atividade que desempenhou entre 2007 e 2010. Terceira figura do Estado após o presidente e vice-presidente, a líder da nova maioria democrata começa o mandato com um primeiro desafio para Donald Trump: a votação de leis de financiamento temporário com o objetivo de desbloquear os serviços federais paralisados por um shutdown parcial desde 22 de dezembro.
Pelosi venceu a votação na Câmara dos Representantes com 220 votos, contra 192 do seu adversário mais direto, o líder republicano Kevin McCarthy. Houve 18 membros do congresso que votaram noutros nomes e três votaram "presente".
Entre os representantes democratas, 15 escolheram votar noutro nome que não o da sua líder.
Nancy Pelosi é ao mesmo tempo vista como habilidosa, arrogante e perseverante, características que podem ser importantes para lidar com Donald Trump. "Ela é do tipo que arranca a sua cabeça sem que você perceba que está a sangrar", disse a sua filha Alexandra, à CNN. "Ninguém venceu ao apostar contra Nancy Pelosi", sentenciou.
Durante a campanha eleitoral, Donald Trump elegeu Nancy Pelosi como um dos exemplos dos pecados de Washington, como alguém que defende os grandes interesses. Além disso, é casada com um empresário e ambos terão usado informações privilegiadas em investimentos bolsistas quando a legislação não impedia que os membros do Congresso tirassem disso proveito. A emenda que impediu aos membros do Congresso receberem informações privilegiadas sobre ofertas públicas iniciais ficou conhecida como a Pelosi provision.
Batizada Nancy D'Alesandro, nasceu em Baltimore em 1940 no seio de uma família ítalo-americana com tradições na cidade (o pai e o irmão foram mayors). Após casar-se com Paul Pelosi mudaram-se para São Francisco, onde este fez fortuna nos setores do imobiliário e de investimento em capital de risco.
Considerada uma moderada no seu círculo eleitoral em São Francisco, esta mãe de cinco filhos é porém uma ativista a favor das minorias sexuais, do direito ao aborto, ou dos imigrantes. Ficou na história ao efetuar o discurso mais longo na Câmara dos Representantes. Em fevereiro de 2018, falou durante oito horas e quinze minutos na defesa dos jovens imigrantes que entraram nos EUA sem documentos (os dreamers, cujo estatuto de atribuição de vistos de trabalho está ameaçado pelo presidente).
Eleita pela primeira vez para a Câmara há 31 anos, Pelosi vê-se como uma congressista "especialista" e orgulha-se pelas negociações que levaram à aprovação da reforma de saúde que ficou conhecido como Obamacare. É um dos marcos da presidência de Barack Obama, e faz parte do programa de Trump acabar com ele, mas até agora sem sucesso.
Além do braço-de-ferro com Trump por este impor um encerramento parcial da administração federal para tentar financiar o muro com o México, Nancy Pelosi terá outros desafios. Um deles é o de aplacar os colegas democratas mais fervorosamente anti-Trump, que poderão querer avançar já para o procedimento de destituição. Pelosi sinalizou que se opunha a um impeachment, alegando que neste momento isso funcionaria a favor do presidente.
"Nós devemos esperar para ver o que acontece com o relatório de [procurador especial Robert] Mueller. Não devemos avançar com a destituição por motivos políticos, e não devemos evitar a destituição por motivos políticos", disse hoje em entrevista à CBS. Sobre a possibilidade de Trump ser acusado enquanto exerce funções, Pelosi disse que há "uma discussão em aberto em termos da lei".
Ainda na entrevista, a democrata reiterou que o financiamento para a construção do muro não será uma realidade. "Podemos andar para a frente e para trás. Não. Quantas mais vezes podemos dizer não? Nada para o muro."
Nancy Pelosi vai iniciar funções levando o regimento a votos com a inclusão de uma medida que não agrada a todos. As regras incluem, por exemplo, a permissão de uso de vestuário religioso na cabeça ou a proibição de relações sexuais entre eleitos e funcionários. Mas a medida que causa divisões no seu próprio campo é a Pay-as-you-go, ou PayGo. Esta regra foi instituida no 111.º Congresso, quando Nacy Pelosi era líder da Câmara dos Representantes. Este dispositivo "estabelece um ponto de ordem contra qualquer medida que tenha um efeito líquido de aumentar o défice ou de reduzir o excedente do exercício orçamental em curso e até ao máximo de nove exercícios seguintes a esse exercício orçamental", explica o documento oficial com as alterações propostas ao regimento.
Para alguns democratas, como a mais nova eleita de sempre no Congresso, Alexandria Ocasio-Cortez (Nova Iorque), ou Ro Khanna Califórnia), é uma medida de austeridade que impede a adopção de políticas progressistas.
"Fazer algo como Medicare para todos, expandir a Segurança Social, um ousado plano de infraestruturas, ou um acordo ambiental com o PayGo seria como negociarmos contra nós próprios. Teríamos de cortar em programas que muitos de nós valorizamos e gostamos", alertou Khanna.
No entanto, nem todos os democratas da ala esquerda mostram especial desagrado. Por exemplo, Pramila Jayapal (Washington) e Mark Pocan (Wisconsin) vão votar a favor porque receberam indicações de que o PayGo pode ser anulado através de legislação e que não será um impedimento para que o Congresso acolha políticas progressistas.
Entra esta quinta-feira em funções o 116.º Congresso dos Estados Unidos, agora com maioria democrata na Câmara dos Representantes (o Senado manteve a maioria republicana). A média de idades dos representantes baixou de 57 anos para 47.
Um número recorde de mulheres foi eleito: 102 (em 435) na Câmara, 25 (em 100) no Senado. Em seis estados, republicanos e democratas elegeram ambos senadoras.
No Capitólio há mais novidades: a primeira nativa americana, ou as primeiras afro-americanas eleitas em Massachussets e no Illinois. A representação de pessoas abertamente LGBT também subiu: são agora dez, segundo o The Hill. Todos democratas.