"Bons resultados da economia têm muito mais que ver com Obama do que com Trump"

Em Lisboa para o V Luso-American Legislators' Dialogue da FLAD, Tony Cabral fala ao DN sobre os candidatos democratas para 2020. O representante na assembleia estadual do Massachusetts diz que Elizabeth Warren e Joe Biden são nomes fortes.
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Como olha para as hipóteses de o Partido Democrata reconquistar a Casa Branca em 2020? Os candidatos convencem-no?

Acho que temos grandes hipóteses. Atualmente temos um número grande de candidatos, 23, e isso é saudável. É uma oportunidade para o Partido Democrata se definir novamente e reajustar políticas para termos sucesso em 2020. Dos candidatos, há pelo menos entre três e cinco que têm grandes possibilidades de ser nomeados pelo partido para ir às eleições em novembro. Um desses candidatos é do Massachusetts, Elizabeth Warren, o outro é Joe Biden. Bernie Sanders, eventualmente, pode ser forte mas não vai ter possibilidades de ganhar a nomeação do partido. À partida, ele não é sequer democrata, declarou-se como independente e no Senado continua a votar como Partido Democrata mas não está oficialmente inscrito.

Os nomes que disse têm uma coisa em comum entre eles e em comum com Donald Trump. Estamos a falar de pessoas com uma idade a rondar ou até a ultrapassar os 70 anos. Quando se fala tanto em renovar a política, a idade não é um fator relevante nos Estados Unidos?

Não é. Aqueles que têm mais possibilidade de ser candidatos do Partido Democrata vão estar na casa dos 60 e dos 70. Vai ser decidido entre Joe Biden e Elizabeth Warren, talvez Bernie Sanders.

Qualquer um deles, falando de Biden e de Warren, são o Partido Democrata mais tradicional, mais à esquerda...

Biden é centrista.

Mas apela à camada operária, ao eleitorado branco sem estudos universitários.

Sim. Tem apelado à esquerda, mas é bem-visto pelo establishment, é mais centrista. É esse tipo de campanha que ele está a iniciar. E ao mesmo tempo tenta ir buscar votantes da esquerda que poderiam apoiar Warren ou Sanders. Também temos de pensar em Kamala Harris, a senadora da Califórnia, um dos cinco a que me refiro.

Quando se olha para ela parece demasiado perfeita politicamente, uma segunda versão Obama: oriunda de minoria étnica, com pais emigrantes, exemplo de sonho americano, senadora estreante. Acha que tem potencial?

Tem um perfil interessantíssimo e, além disso, sabe expor as suas posições nos vários assuntos de uma maneira bastante atrativa para aqueles que se definem mais do centro. É mais centrista do que Warren, mas menos do que Biden.

Num confronto com Trump não é óbvio que ser centrista seja uma vantagem?

Há alguns analistas políticos que acham que é. Pensam que a entrada de Joe Biden nesta corrida à Casa Branca é boa. Não sei se será a melhor estratégia para ganhar a Trump. Em particular no período das primárias, aqueles que estão mais à esquerda vão ter melhores resultados porque estão a disputar um eleitorado mais militante. Atualmente o votante mais militante nos democratas é mais à esquerda e também há um grande envolvimento por parte das mulheres. Isso é positivo para o partido, não só para as presidenciais mas para ganhar a maioria na Câmara dos Representantes e possivelmente ganhar a maioria no Senado.

O Partido Democrata tem a ambição não só de ganhar a Casa Branca mas também de concluir o assalto ao Congresso, depois da conquista da maioria na Câmara dos Representantes nas eleições intercalares de 2018?

Vamos continuar a dominar a Câmara, aí não vejo possibilidades de os republicanos recuperarem da derrota de 2018. No Senado há algumas possibilidades de o Partido Democrata ganhar a maioria, mas é mais complicado porque nem todos os assentos são renovados no mesmo ano, como é o caso da Câmara. Depende dos estados em disputa, de que senadores têm de ser reeleitos e quão frágeis são.

Esse sistema americano é complicado porque às vezes não basta ganhar mais votos, é preciso ganhar nos estados certos também, como se viu em 2016, quando Hillary Clinton teve mais votos populares do que Trump e mesmo assim perdeu as presidenciais. Os estados dos Grandes Lagos, no norte do Midwest, em que Trump ganhou por pouca margem e de forma surpreendente, são uma zona que o Partido Democrata está empenhado em garantir desta vez?

Sim. Acho que foi uma lição não só para Hillary mas também para o partido. Aqueles três ou quatro estados no Midwest são importantes para o partido e houve uma tendência óbvia da parte da campanha de Hillary de pensar que iam seguir a tendência de sempre. Ela nem sequer foi fazer campanha no Wisconsin, mas foi ao Arizona. Eu diria, se me perguntassem, que não valia a pena ir ao Arizona e que valeria a pena concentrar esforços no Wisconsin e na Pensilvânia. E há bons sinais para 2020 porque o Partido Democrata ganhou entretanto lugares na Câmara dos Representantes naqueles estados. Mas tem de haver maior esforço ainda, pois é quase um jogo de xadrez. Há sempre a questão das últimas presidenciais, não só em 2016, de que a Florida é importante. Em 2016, a Hillary teria ganho, mesmo perdendo a Florida, se tivesse conseguido os tais três estados. No caso de Al Gore, em 2000, ele perdeu a Florida, mas se tivesse ganho o Tennessee, onde era senador, teria sido presidente. George W. Bush no final ganhou devido a uma decisão do Supremo Tribunal.

Tanto Gore como Hillary ganharam em voto popular, mas o sistema americano dá um peso reforçado aos pequenos estados e às vezes cria esta injustiça. Não há debate para mudar o sistema de colégio eleitoral?

Há, muito mais do que anteriormente. Há um debate grande em várias regiões do país que de facto querem analisar o sistema e possivelmente eliminar o colégio eleitoral.

O debate envolve democratas e republicanos?

Mais democratas, porque têm sido mais prejudicados ultimamente, mas também há republicanos. É interessante que a nível de estados foi aprovada uma lei em que os resultados do Maine, por exemplo, seriam dados àquele ou àquela que ganhasse o voto popular nacional. Há dois debates aqui: o que questiona se o Colégio Eleitoral não estará obsoleto e deve ser eliminado e o outro debate, em que se quer modificar como é que este atua, mas estado por estado baseado nos resultados nacionais. Foi isso que o Maine fez.

Não faz sentido pensar que Hillary poderia tentar outra vez?

Não, está completamente afastada. Mesmo que os chamados clintonianos, os fiéis a Bill e Hillary, continuem a ter uma influência importante dentro do partido.

Sabe-se quem são os preferidos dos clintonianos?

Atualmente não há. Estão à espera de uma definição daqueles que poderiam ser os nomeados. Mas dentro da organização partidária continua a haver uma grande admiração pelo casal.

Barack Obama é homem para entrar nesta campanha para apoiar Biden, o seu vice-presidente, ou vai ser cauteloso?

Vai ser cauteloso. Os ex-presidentes costumam manter-se acima da política, mas se ele quiser envolver-se seria muito positivo. É uma figura querida dentro do partido e tem grande influência na camada mais jovem e na comunidade afro-americana, e o Partido Democrata precisa de consolidar o apoio das mulheres afro-americanas. Obama e Michele têm essa conexão e são ídolos.

No embate contra Trump, Obama estar ao lado de um democrata pode ser importante?

Claro. Além da pessoa que ele é, foi um bom presidente, uma figura que soube desempenhar o seu papel e a prova está à vista. Os bons resultados da economia têm muito mais que ver com a política dos oito anos de Obama do que com os primeiros dois de Trump. Claro que Trump vai dizer que não, mas repare: quando Obama inicia a sua presidência o país está num recorde de falências. Foi a política dele e do Partido Democrata que conseguiu virar a situação. O próprio Mitt Romney, quando estava a concorrer à presidência pelos republicanos, disse "deixem ir à falência", numa lógica pura de mercado, mas Obama recuperou, por exemplo, a indústria automóvel. O dinheiro que foi emprestado já foi todo devolvido pelas empresas.

Quando olha para a economia americana, Trump acaba por ser indiferente para o desempenho da economia ou podia ser melhor se ele não estivesse lá?

Trump está a atuar passo a passo para manter a sua base de apoio, que anda nos 40%. O que é interessante é que parte daquela base nem toda é republicana, também há democratas mais conservadores, que nos últimos 15 anos têm perdido poder de compra comparando com a classe mais rica e até acham que os pobres têm mais benefícios do que a classe trabalhadora. E ele tem apelado nesse sentido. Foi uma das razões para os resultados do Wisconsin, do Michigan e da Pensilvânia. Quem fez uma campanha semelhante durante as primárias foi Sanders, e ele ganhou as primárias naqueles estados.

Quando olha para a presidência de Trump, é assim tão diferente das outras presidências republicanas? A personalidade de Trump faz diferença?

Sim. A política dele não tem nada que ver com a política dos últimos 20, 30, 40 anos do Partido Republicano. Os republicanos têm sempre defendido o livre comércio, ele pelo contrário quer usar sanções, penalizar países e está a fazê-lo. Não só com a China, mas com o México também. Tentou com a Europa... é uma maneira de dizer "nós somos os maiores e quem vai mandar nisto somo nós".

O partido vai atrás porque não tem outra hipótese, é isso?

É uma boa análise.

Não imagina aparecer alguém forte nas primárias republicanas?

Acho que não vai aparecer, mas há já um candidato que se declarou para as primárias republicanas, um ex-governador do Massachusetts, Bill Weld. Acho que ele vai incomodar Trump um bocado.

Pelo menos, o Partido Republicano oficial, ainda que Weld não seja assim tão tradicional, vai ter uma voz?

Sim, é a voz do Bill Weld. Na zona da Califórnia, do Oregon, de Washington, aquele Partido Republicano, que a nível de economia e de impostos é mais conservador mas ao mesmo tempo mais progressista em certos assuntos sociais, é liberal. O Weld, neste caso, é pró-escolha no aborto, é contra a pena de morte, apoia o comércio livre.

É um anti-Trump dentro do Partido Republicano?

Exato. Será que vai atrair apoiantes suficientes para finalmente ganhar a nomeação? Diria que não, porque atualmente o Partido Republicano acha que a sua salvação, não necessariamente para a Casa Branca mas para o Congresso, é ser arrastado por Trump.

É possível viver num estado como o seu, o Massachusetts, de uma certa dimensão, rico, governado muito tradicionalmente pelos democratas, e não sentir a presidência de Trump?

Sente-se sempre porque a própria política do governo federal tem impacto em vários sentidos. Não só na economia em si, mas das verbas que vêm do governo federal para os estados. Isso afeta indivíduos e negócios e tem um impacto na economia dos estados.

A nível da comunidade portuguesa, como olham para Trump?

Há um certo setor que tem uma alguma simpatia. Os que são mais conservadores, mesmo os democratas, não só a nível económico mas também social, especialmente os que estão envolvidos em pequenos ou médios negócios, gostam do estilo empresarial de Trump. Não só na comunidade portuguesa mas em geral, os empresários daquele nível consideram que as suas próprias personalidades e motivações são a razão por que os seus negócios têm sucesso. Identificam-se com o estilo de Trump.

Mas a comunidade continua a ser muito democrata?

Sim. E sobre a política de imigração na comunidade há uma certa divisão. Há os que acham que é horrível a maneira como Trump atua e há outros que acham que os familiares chegaram e entraram de forma legal e todos os imigrantes têm de seguir o mesmo processo.

Quando foram votar em 2018 votaram nos democratas como é habitual?

Sim. Pelo menos no Massachusetts e até na Califórnia, onde a comunidade luso-americana perdeu um congressista, mas republicano. Na Califórnia, estes temas, esta política, esta guerra da imigração, é um debate ainda mais intenso porque a Califórnia é uma economia que precisa de mão-de-obra e não só a qualificada. A Califórnia produz postos de trabalho mais braçais e nisso a imigração é importante para preencher essas vagas.

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