As dúvidas sobre quem manda em quem na crise política venezuelana
A situação na Venezuela, com protestos anti-governamentais, não surpreende dada a situação económica do país mas o avanço de Juan Guaidó para o confronto direto com as forças leais a Nicolás Maduro acabou por fugir às previsões e abriu lugar a teorias sobre as motivações para este passo neste momento.
O presidente da Assembleia Nacional, e por este órgão designado presidente da Venezuela, antecipou em um dia os anunciados mega-protestos de 1 de maio contra o regime, para tentar derrubar o Governo. Guaidó insiste que não é um golpe de Estado, antes uma rebelião pacífica, mas a série de acontecimentos e declarações que no dia 30 de abril se produziram apontam para um jogo de bastidores no xadrez internacional, envolvendo EUA e Rússia, que só nos próximos tempos será totalmente esclarecido.
Uma das principais questões é a suposta vontade de Nicolás Maduro em abandonar o poder, no que terá sito travado pela Rússia. O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, falando à CNN, disse que Maduro e líderes de seu governo estavam preparados para voar para Cuba na manhã de terça-feira, existindo já "um avião na pista", mas que a Rússia, um poderoso aliado do líder venezuelano, "indicou que ele deveria ficar". Pompeo não apresentou provas.
Numa comunicação ao final do dia, Juan Guaidó confirmou o mesmo. "A informação é verdadeira, o usurpador tinha tudo pronto para ir e foram as forças estrangeiras que o forçaram a ficar", escreveu Juan Guaidó na sua conta de Instagram.
Esta alegação não encontrou confirmação de Nicolás Maduro, que já desmentiu estar a pensar abandonar o poder, durante uma comunicação aos venezuelanos já na noite de terça-feira (esta madrugada em Portugal). Mas do lado opositor, até se apontam nomes envolvidos num eventual transição de poder. Nos EUA, John Bolton, conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, disse que altos funcionários do governo de Maduro comprometeram-se a transferir o poder para Guaidó. E identificou que seriam Vladimir Padrino López, ministro da Defesa, Maikel Moreno, chefe da Suprema Corte, e Rafael Hernández Dala, comandante da guarda presidencial de Maduro.
Em Caracas, Nicolás Maduro responde com a habitual agressividade quando se trata de influência norte-americana. O sucessor de Hugo Chavez descreveu como "louco" tanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como os outros membros do seu "gangue", e negou as declarações do secretário de Estado, Mike Pompeo, relativas ao alegado plano de Maduro para se demitir na terça-feira e viajar para Cuba.
O que tudo isto significa? É difícil ter uma resposta absolutamente segura, nesta altura, sobre os acontecimentos, mas fica claro que há uma pressão sobre altos responsáveis venezuelanos para se definirem. Nos bastidores acontecem, por certo, muitas coisas e saber se houve uma precipitação de Juan Guaidó é também um dos pontos em causa nesta Operação Liberdade.
O líder político da oposição conseguiu libertar Leopoldo Lopez, o político que estava em prisão domiciliária e está agora refugiado na embaixada de Espanha em Caracas, e parece ter uma posição concertada com os seus principais aliados internacionais, dos EUA à União Europeia, pelo que surpreenderá se este for um passo dado sem avaliação conjunta. A mudança de Leopoldo Lopez, da embaixada do Chile para a espanhola, foi confirmada pelo embaixador chileno em Caracas através do Twitter.
Do outro lado, existe a Rússia. Com a Nicarágua, a Venezuela serve como mais um elo para a influência russa no hemisfério ocidental, algo que Moscovo procura alcançar através dos laços com Cuba. Além de vender centenas de milhões de dólares em equipamento militar para Caracas, a Rússia investiu forte no setor de petróleo, através da empresa estatal Rosneft, e comprou grandes participações na petrolífera estatal PDVSA. A apoiar a Rússia, na defesa do poder de Maduro, estão países como China e Turquia.
É neste jogo de poderes que se joga o futuro da Venezuela e que hoje, dia 1 de maio, deverá conhecer novos desenvolvimentos. Estão previstos mega-protestos, com vários pontos de concentração em Caracas e noutras cidades do país e Guaidó pede um dia histórico "para que cesse a usurpação."
Já esta manhã, Guaidó publicou na sua conta de Twitter os locais de concentração para as manifestações do 1 de Maio. Só em Caracas existem 15 pontos de partida, mas o protesto estende-se a todo o país.
Maduro, na sua mensagem aos venezuelanos durante a madrugada, disse ter derrotado o "golpe conspirador", pediu aos venezuelanos para continuar a "resistência ativa" e exortou também a "uma mobilização gigantesca" neste Dia do Trabalhador.
Segundo uma ONG venezuelana, uma pessoa morreu e pelo menos 95 ficaram feridas durante os protestos registados na terça-feira na Venezuela depois da ação de força desencadeada por Juan Guaidó.