O sistema partidário resume-se hoje a uma luta entre lepenismo e macronismo?.Diz isso porque as eleições europeias mostraram que há maioritariamente dois partidos - enfim, o partido do presidente, o macronismo, e o partido de extrema-direita da senhora Le Pen. Mas há mais. O que é mais justo dizer é que os dois grandes partidos que governaram nos últimos 30 a 40 anos, o Partido Socialista e a direita gaullista, e mais tarde oficial, isso acabou. De momento, valem 8%, 5%, 4%. Se isso quer dizer que nas próximas legislativas vai ser igual, não sei. Talvez. Na minha opinião, há os que acreditam na Europa e os que não acreditam, os que querem construir uma Europa mais aberta e os que querem destruir a Europa, que querem fechar a Europa, fechar as fronteiras. É essa a luta..Há direita e esquerda nesses anti-Europa? São mais de direita os que querem fechar e mais de esquerda os que querem abrir, mas está misturado. Não se pode dizer que a direita está de um lado e a esquerda do outro..Qual o papel da França Insubmissa? São 4%, 5%. Já acabou. Sim, há também os restos do Partido Socialista, há o senhor Hamon. Há uma direita dividida. E estes, para onde vão? Não sei. Não basta dizer que há dois partidos. Já disse, há outros que restam. Sobretudo os Verdes, que são de esquerda, pelo menos em França. Na Alemanha também. Não é a mesma esquerda, não é o socialismo burocrático, não é marxista, nem pró-comunista, mas é de esquerda. E eles, sim, querem prosseguir com a Europa. Nas últimas eleições percebemos que há dois grandes partidos. E há um terceiro que vai crescer, os ecologistas..A União Nacional, antiga Frente Nacional, é o partido dos Le Pen, mas tem uma ideologia. Quando olhamos para o República em Marcha é só um projeto pessoal de Macron? É um projeto pessoal de Macron. Ele foi eleito presidente da República. Não o conhecíamos, não tinha quase estado na política. É um fenómeno muito surpreendente. E agora quer construir um centro, um grupo liberal, que se pode aliar com a esquerda, que se pode aliar com os verdes. É um partido mais centrista do que de direita. Não resta muito da direita, 8%. E depois há a extrema-direita. Os populistas, os nacionalistas, são muito poderosos. Isso é novo. O projeto europeu era o projeto da minha geração. Era magnífico..Nessa altura era consensual? Consensual durante 60 anos. E foi um objetivo. As pessoas falavam, abriam-se as fronteiras, já não havia diferenças, e tentávamos construir - e construímos - uma economia forte. Foi feito até à chegada - ou melhor, ao regresso - destes partidos de extrema-direita que eram nacionalistas, e depois populistas. Agora há os dois. Há coletes amarelos todos os dias. Não é a mesma coisa. Mas são populistas. Não querem governo, não querem Macron, não querem... o que eles querem, isso não sabemos. Mas as desigualdades que existem em França são muito grandes..Os coletes amarelos são um projeto político ou apenas uma forma de protesto? Não é um projeto definido, mas têm um projeto. Querem reduzir as desigualdades. Já não conseguem viver. Isso é verdade. Não há fome, não estamos no Sahel. Não é semelhante. Eu que passei a vida ao lado dos pobres quando me falam do sofrimento dos franceses, eu compreendo mas não é o mesmo sofrimento..Mas é suficientemente forte para agitar? Criaram contestação e um grave problema social. E também um problema político..Há uma certa violência associada? Sim, mas não podemos ficar presos nisso. Eles manifestam-se contra a grande injustiça do sistema liberal, em que as diferenças entre ricos e pobres se tornaram gigantescas. Insuportáveis..E a República Francesa não consegue atenuar essas diferenças? A República Francesa é muito bonita, muito bela, mas data de 1789. É velha. É preciso mudar a nossa forma de fazer política. É preciso tentar equilibrar - e é muito difícil - as desigualdades. França é um país demasiado desigual. Há desigualdades que não são só políticas. O que é que se passa nas aldeias? Já não há trabalho. É uma desigualdade. E se arranjarem trabalho a 50 quilómetros, têm de ter carro, a gasolina está cara. A nossa sociedade é muito injusta. Em Paris vive um quinto da população francesa e há oportunidades. É difícil mas há oportunidades para arranjar emprego. No resto da França é muito mais difícil. É uma grande desigualdade? Sim. É fácil de mudar? Não..Qual a sua explicação para o enfraquecimento do PSF? Vimos na Grécia o PASOK desaparecer, o fenómeno ameaçou o PSOE em Espanha, mas agora já passou, enquanto em França foi súbito e radical. Sabe, o PSF não quis mudar. No meu país, dizer que se era social-democrata era um insulto. Social-democrata? Capitalista? Liberal? Não perceberam nada. A Europa era social-democrata. Isso chega? Não, porque agora há outros problemas. O ambiente, a ecologia e sobretudo os outros. A globalização não foi preparada, não quiseram ver. No meu país, os socialistas achavam que eram os maiores. Fizemos a revolução em 1789! Não viajaram muito, não viram o que se passava no mundo. Denunciam as desigualdades, eu também! Mas o senhor Putin anexou não só a Crimeia como também as províncias do leste da Ucrânia. O senhor Putin está a bombardear na Síria também. Houve pelo menos 500 mil mortos na Síria. E não houve uma única manifestação grande em França. É verdade que eram muçulmanos e os muçulmanos não têm boa reputação... talvez. Mas deixá-los morrer no Mediterrâneo, no nosso mar, onde as nossas crianças brincam?.Há um certo egoísmo dos europeus? Sim. Os gregos estiveram durante algum tempo na linha da frente e era preciso ajudá-los. Depois foi a Itália. A única que salvou a honra da Europa foi a senhora Merkel. Claro que era demasiado, e estava sozinha. Nós dos países mais ricos do mundo não podíamos acolher aquelas pessoas? A Europa está morta. Uma Europa sem solidariedade, sem partilha, uma Europa onde as fronteiras se fecham acabou..Está a falar de uma Europa de 500 milhões que não acolheu um milhão de refugiados? Claro. Um milhão por ano - é um para 500..Mesmo com as diferenças culturais? E então, os refugiados? Assimilamo-los! Um milhão em 500 milhões nem se notava na Europa. Foi um erro enorme. Não foi para isso que fizemos a Europa. Eu criei os Médicos sem Fronteiras. Agora as fronteiras voltam a fechar-se.