Espanha reabre fábricas e construção, entre críticas e receios
O Governo espanhol decidiu dar um passo em direção à "normalidade". Esta segunda-feira, 13, marca o regresso, parcelar, à atividade de setores como a indústria e a construção civil. O primeiro-ministro Pedro Sánchez explica, contudo, que este não é o fim do isolamento: "Quero ser muito claro: não estamos sequer a entrar numa segunda fase. A diminuição das restrições começará dentro de duas semanas, no mínimo, e será progressiva e cautelosa. O confinamento geral vai continuar pelo menos durante as próximas duas semanas."
"Não se trata de uma questão de desconfinamento ou de desaceleração do confinamento", insistiu o Ministro da Saúde Salvador Illa na conferência de imprensa que se seguiu à reunião do comité técnico de peritos. "Estamos ainda confinados até 26 de abril e a medida de regresso ao trabalho envolve apenas uma pequena parte da população."
Trata-se de uma medida que exclui empregados mais velhos, mulheres grávidas e pessoas com doenças crónicas, especialmente pulmonares ou cardiovasculares. Este regresso ao trabalho só se destina a quem não pode realizar teletrabalho.
É um curto alívio, no estado de "alarme" (constitucionalmente o mais baixo, dos três previstos em Espanha) que vigora desde 30 de março, e que contém, segundo Pedro Sánchez, "as medidas mais restritivas na Europa e no mundo".
O encerramento total da atividade económica não-essencial em Espanha não foi seguido por exemplo, em Portugal, mesmo decretado o estado de emergência - e os setores fabris e de construção puderam continuar, com as limitações evidentes causadas pela pandemia.
Aliás, Espanha já prolongou o estado de alerta até 26 de abril e, na passada quinta-feira, o Congresso confirmou também que esta situação excecional causada pela pandemia de corona vírus deve ser novamente prolongada pelo menos até 10 de maio.
"Na segunda-feira, portanto, as escolas permanecerão fechadas, as atividades recreativas e culturais e a restauração também, e todos aqueles que podem teletrabalhar a partir de suas casas devem fazê-lo", concluiu o ministro da Saúde Salvador Illa.
Os efeitos práticos em todo o território também não serão imediatos. A segunda-feira de Páscoa, será feriado nas Baleares, Cantábria, Castela La Mancha, Catalunha, Valência, Navarra, País Basco e La Rioja. Ou seja, a medida vai afetar, sobretudo, o epicentro da crise de saúde em Espanha: a capital, Madrid.
Os números da infeção em Espanha são os piores da Europa: enquanto Portugal tem 160 casos por cada 100 mil habitantes, em Espanha este rácio duplica, para mais de 350. Em Madrid, o Covid-19 provoca 94 mortes por cada 100 mil habitantes.
Este domingo, 12, os números voltaram a piorar, colocando um risco acrescido na decisão de reabrir fábricas e empresas de construção civil. Os dados do Ministério da Saúde espanhol indicam que 619 pessoas morreram nas últimas 24 horas (em comparação com as 510 comunicadas no sábado, ou seja, mais 109). O número total de mortos é de 16.972.
Por isso, a decisão de Sánchez foi contestada, este domingo, durante a reunião que o primeiro-ministro manteve com os líderes autonómicos. Quim Torra (Junts per Catalunya, centro-direita), presidente da Generalitat catalã, e a madrilena Isabel Díaz Ayuso (PP, direita) criticam o sinal dado pela Moncloa ao permitir o regresso ao trabalho de alguns trabalhadores.
O presidente da Generalitat, Quim Torra, denunciou, revela o La Vanguardia, que "é uma imprudência a decisão de permitir o regresso ao trabalho nas atividades não essenciais". Como Torra salientou na reunião com Sánchez, os diretores dos hospitais catalães asseguraram-lhe que "o confinamento total deve continuar por mais algumas semanas". Torra pediu assim a Sánchez que "reconsidere essa decisão". Mas também advertiu que "a Catalunha não vai ficar de braços cruzados, nós vamos tomar as nossas próprias medidas". "Vamos tomar as decisões necessárias para que os nossos cidadãos estejam em segurança", garantiu Torra.
O presidente da Associação Médica de Barcelona, Jaume Padrós, pediu a Pedro Sánchez que atendesse ao pedido da Generalitat para prolongar o confinamento total. Numa entrevista no programa 3-24, do canal de notícias TV3, Padrós exigiu que o grau de contenção não fosse reduzido de modo a que o sistema de saúde "possa aliviar-se da pressão que tem atualmente" e ter "mais condições para atender os doentes com Covid-19". Este responsável médico não quis especular sobre a possibilidade de um segundo surto, mas assegurou que "o vírus estará connosco durante bastante tempo".
Num trabalho do jornal online El Diario, as medidas agora anunciadas por Sánchez são avaliadas por outro prisma, o da psicologia. Estará o Governo a criar expectativas demasiado altas?
"As expectativas são uma das fontes mais frequentes de insatisfação", explica a psicóloga e fundadora do Instituto Europeu de Psicologia Positiva, Dafne Cataluña. "Quanto maiores as expectativas, mais intensa a desilusão de não ver o que se espera satisfeito", diz.
O seu colega Jesús Linares garante que "é claro que devemos tentar não gerar falsas expectativas porque geram desconfiança. Isso é muito importante para que cada cidadão contribua. Além disso, é um fator de proteção da saúde mental".
A Organização Mundial de Saúde insistiu, na sexta-feira, que o levantamento apressado das restrições representa um risco. A OMS lançou uma série de condições prévias para contemplar o fim das quarentenas: ter uma transmissão controlada, ter o sistema de saúde em boas condições para cuidar dos doentes, reduzir os surtos nos lares de idosos, aplicar medidas preventivas nas zonas de tráfego intenso e nas escolas, poder controlar os novos casos importados e que a sociedade esteja "empenhada" no combate à doença.
Talvez por isso, o Governo espanhol advirta que "é necessário deixar claro aos cidadãos que não deve haver um relaxamento das medidas", tendo em conta o regresso parcial da atividade económica não essencial a partir de segunda-feira. Sanchez insistiu em recomendar que os trabalhadores que não podem teletrabalhar e podem deslocar-se em veículo particular para os seus locais de trabalho o façam. Quanto ao resto, quem tiver de o fazer por transportes públicos, serão distribuídas máscaras. Isto será feito pelas forças de segurança do Estado e pela polícia regional e local, com a colaboração da Proteção Civil, sublinhou.
Enquanto testa esta "pequena janela" para a normalidade, nas palavras do ministro da Saúde espanhol, a Moncloa acordou com Portugal um prolongamento de duas semanas no controlo de fronteiras entre os dois países. Esta medida, em vigor até 26 de Abril, não se aplica aos transportes de mercadorias e a outras situações excecionais.
E é do lado de cá da fronteira que muitos jornais espanhóis encontram um modelo mais eficaz de combater a crise causada pela doença.
O El País apontou o exemplo português, no sábado: "Portugal, os suecos do Sul: As previsões em matéria de saúde, os planos de controlo atempado e a união política controlam melhor a epidemia do que nos países mais ricos."
Nesse texto, por contraste com a tensão política que não abrandou em Espanha, o jornal descreve, talvez com algum exagero quanto ao que se passa nas redes sociais: "O coronavírus, longe de quebrar as instituições e os partidos, aproximou-os. O Presidente Rebelo de Sousa (PSD) e o Primeiro-Ministro Costa (PS) complementam-se e engolem publicamente os seus desentendimentos. Se não há provas de que a unidade institucional cura epidemias, as rixas políticas incentivam, de facto, a agitação social. Nas redes portuguesas é impossível encontrar vídeos de cidadãos insultuosos ou raivosos (também não tem graça). Na rua, a polícia não controla, "sensibiliza"; não multa, "recomenda". Em abril, apenas prendeu - no sentido mais leve do termo - 74 pessoas por fugirem do confinamento. As empresas e lojas permanecem abertas - com exceção de bares e restaurantes - enquanto o Presidente já anunciou que o estado de emergência se manterá até maio."