Erdogan e Putin, aliados de conveniência, acordam patrulhas conjuntas na Síria
Recep Tayyip Erdogan e Vladimir Putin reuniram-se nesta terça-feira em Sochi, Rússia, para debater a situação no norte da Síria. Esta zona foi invadida pela Turquia, após a retirada dos EUA, para combater as Unidades de Proteção Popular (forças curdas ligadas ao PKK). O líder turco sempre quis ir atrás dos curdos mas sempre esbarrou com o apoio que estes tinham dos norte-americanos. Apoio esse que, com Donald Trump, deixou de existir. Pelo meio houve já uma trégua, mediada pelos norte-americanos depois de ameaças por carta do próprio Trump a Erdogan, que terminou nesta noite. Ou seja, no mesmo dia em que os presidentes turco e russo se reuniram, naquela cidade russa.
Dessa reunião, segundo o site Politico, resultaram dois acordos: a retirada dos combatentes curdos dos territórios próximos da fronteira turca e um plano para realizar patrulhas conjuntas no norte da Síria.
Ou seja, forças armadas da Turquia, um país membro da NATO, irão participar em ações conjuntas de patrulhamento com militares russos.
"A situação na região é muito tensa. Todos o entendemos. Creio que o nosso encontro e as nossas consultas são necessárias", disse Putin, citado pela Lusa, acrescentando que, em seu entender, o nível de confiança entre Rússia e Turquia pode desempenhar um "papel na procura de soluções para os assuntos que atualmente afetam a região" e permitir encontrar "uma resposta a todas as perguntas, incluindo as mais difíceis" e que são, frisou, "do interesse" de Ancara e de Moscovo e de "todos os países".
Erdogan, presidente da Turquia desde 2014 e primeiro-ministro do país entre 2003 e 2014, insiste que o objetivo é forçar a retirada de todos os membros das Unidades de Proteção Populares (YPG) de uma zona segura que se prolonga ao longo de 32 quilómetros junto à linha da fronteira entre a Síria e a Turquia. Antes de partir para Sochi, no aeroporto de Ancara, o chefe do Estado turco avisou que, uma vez terminada a trégua, se os combatentes curdos não se posicionarem para lá da zona segura, a Turquia poderá retomar as suas operações.
"A retirada está a continuar. Estamos a falar de 700 ou 800 [combatentes das YPG] que já retiraram e o resto, entre 1200 e 1300, continuam a retirar. Foi dito que eles estão a retirar. Todos têm de sair, o processo não estará completo enquanto eles não saírem", garantiu Erdogan, citado pela Reuters.
O líder turco declarou que vai negociar com o presidente russo o papel das tropas do regime de Bashar al-Assad, que estão a aproximar-se da zona dos confrontos. No passado, os curdos ajudaram Assad a combater o Estado Islâmico e até capturaram combatentes islamitas estrangeiros - muito deles europeus - que prenderam nas suas cadeias. Citado pela Reuters, Erdogan disse estar disposto a aceitar a presença de tropas sírias na zona, desde que os curdos saiam mesmo todos dali. "Se Deus quiser vamos conseguir o acordo que esperamos", declarou.
A Rússia, principal aliado de Damasco, posiciona-se como árbitro entre a Turquia e a Síria, numa altura em que os Estados Unidos se retiraram da região. A invasão turca do norte da Síria já provocou dezenas de mortos e milhares de deslocados e refugiados entre a população civil. Várias agências internacionais e ONG têm lançado alertas sobre a gravidade da situação que se vive no terreno.
O historial de relações entre Erdogan e Assad não é dos melhores. No passado, o primeiro chamou terrorista ao segundo e o segundo afirmou que o primeiro se comporta como se fosse um sultão otomano. O mesmo se aplica às relações entre a Turquia de Erdogan e a Rússia de Putin. É a necessidade, do lado turco, e o desejo de preencher o lugar deixado vago pelos americanos na Síria, do lado russo, que agora junta os dois presidentes em Sochi.
Em novembro de 2015, em plena guerra da Síria, caças turcos abateram um avião russo que alegadamente violou o espaço aéreo da Turquia. Na altura, Putin, que entre mandatos do presidente e de primeiro-ministro está no poder desde 2000, falou numa "facada nas costas" dada por um "cúmplice de terroristas" e avisou de que iria haver "consequências sérias" nas relações entre os dois países.
No mês seguinte, numa conferência de imprensa convocada especialmente para o efeito, o então vice-ministro da Defesa russo, Anatoli Antonov, acusou a Turquia de Erdogan de comprar petróleo aos terroristas do Estado Islâmico. "De acordo com as nossas informações, neste negócio criminoso estão envolvidos altos líderes turcos, o presidente Erdogan e a sua família" disse, precisando: "O principal consumidor do petróleo roubado aos legítimos proprietários na Síria e no Iraque é a Turquia."
Nessa conferência foram apresentados inclusivamente imagens satélite para comprovar movimentações em três rotas que a Rússia disse ter descoberto e que eram utilizadas pelo Estado Islâmico para introduzir petróleo roubado em território turco, a partir de onde era depois exportado em petroleiros para outros países. Erdogan negou as acusações e disse que tudo não passava de uma campanha para provocar a sua demissão. Os russos negaram.
"Esse é um assunto do povo turco. O nosso objetivo é lutar, de forma conjunta, no sentido de se conseguir bloquear as fontes de financiamento do terrorismo", disse, naquela altura, Anatoly Antonov, admitindo, no entanto, que as autoridades turcas não vão reconhecer qualquer responsabilidade. "Ninguém vai demitir Erdogan e não vão reconhecer nada. Sobretudo, se estiverem com as caras manchadas de petróleo roubado", afirmou o responsável russo.
Um ano mais tarde, poucos meses depois de Erdogan ter sobrevivido a uma tentativa de golpe de Estado, outro pico de tensão, quando Putin recebeu a notícia de que o embaixador russo em Ancara, Andrei Karlov, tinha sido assassinado a tiro enquanto discursava na inauguração de uma exposição de arte na capital turca. Reagindo na altura, o presidente turco declarou que o incidente foi "claramente uma provocação para tentar prejudicar a normalização entre a Rússia e a Turquia e para boicotar as tentativas de obtenção da paz na Síria".
Erdogan, que depois viria a acusar o assassino do embaixador de ter ligações ao clérigo exilado nos EUA Fethullah Gülen, reiterou, na altura, as palavras de Putin, referindo que este "ataque terrorista provocatório" tem o objetivo de menorizar os esforços de "normalização" das relações entre a Rússia e a Turquia.
O presidente da Turquia, país que tem o segundo maior Exército da NATO, comprou um sistema de mísseis russo S-400 a Moscovo, apesar de todos os avisos da Aliança Atlântica para não o fazer. Donald Trump, entretanto eleito presidente dos EUA, vetou por causa disso a participação turca no programa de caças furtivos F-35 da NATO. Não perdendo tempo, a Rússia de Putin rapidamente se ofereceu para vender a Ancara caças Sukhiu Su-35. São muitos os que pensam que, no futuro, esta ideia de um país da NATO usar armamento da Rússia (herdeira da URSS, inimiga da Aliança Atlântica no tempo da Guerra Fria) não vai dar bom resultado.
Como escreveram nesta terça-feira no New York Times os jornalistas Anton Troianovski e Patrick Kingsley, a Rússia de Putin está a afirmar-se como uma potência influente no Médio Oriente. "Os seus caças patrulham os céus da Síria. Os seus militares expandiram operações na principal base naval da Síria. Está a forjar laços com a Turquia. Ele e os seus aliados sírios estão a ocupar o terreno deixado vago pelos EUA. Na terça-feira, o presidente Vladimir Putin da Rússia foi o anfitrião do presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan, para discutir como eles e outros aliados regionais vão dividir o controlo da Síria, uma terra devastada por oito anos de guerra civil. O Sr. Putin emergiu como a força dominante da Síria e um mediador no vasto Médio Oriente - um estatuto evidenciado pela viagem de Erdogan à sua residência de verão em Sochi. E torna-se cada vez mais claro que a Rússia, que saiu em socorro do governo de Assad na Síria com bombardeamentos aéreos brutais ao longo dos últimos quatro anos, será o árbitro do equilíbrio de poderes ali."