Em recessão, Alemanha prepara caminho para a retoma

Mais restrições levantadas e futebol a caminho num dia em que se souberam os números da crise.
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Os alemães (ou pelo menos até 5 mil) vão poder manifestar o seu desagrado com as restrições devido ao novo coronavírus numa manifestação. Este evento com o seu quê de paradoxal vai decorrer em Estugarda, e deverá juntar adeptos de teorias de conspiração (ativistas contra as vacinas, contra o 5G, etc.) e antidemocratas.

"Foi uma questão de ponderar os riscos de contágio com o direito à liberdade de reunião", afirmou o autarca da cidade, Martin Schairer. Quem comparecer sem máscara arrisca-se a uma multa de 300 euros.

Restrições que foram levantadas parcialmente na sexta-feira na cidade-estado de Berlim e nos estados de Brandemburgo, Hesse, Saxónia e Turíngia, com a autorização da abertura de bares e restaurantes. A mesma medida já tinha sido tomada noutros cinco estados.

Com a reabertura do comércio e da restauração em maio, o objetivo do governo de Angela Merkel é o da recuperação económica. Berlim acredita que isso ocorrerá em 2021, com um crescimento projetado de 5,2%. O regresso aos níveis de produção de 2019 deverá ocorrer em 2022.

"A Alemanha emergirá da crise mais rápida e eficazmente do que outros países", crê o economista Carsten Brzeski, do banco ING. Motivo? Investiu "mais dinheiro para salvar a sua economia" e foi "menos afetada" pelo vírus, avalia Brzeski à AFP.

Para lidar com a crise, o governo federal esqueceu-se da imagem de marca que é o rigor orçamental e adotou um plano de garantias públicas de empréstimos e ajudas diretas às empresas, num total de 1,1 biliões de euros.

Quanto ao novo coronavírus, o país está com 175 mil casos e cerca de 8 mil mortos. Uma taxa de mortalidade baixa (apesar de a atribuição da causa de morte não ser igual à de países como Portugal) e um sistema de saúde robusto permitem às autoridades ter confiança na reabertura do país, ainda que com as medidas de distanciamento social.

Também entre sexta-feira e sábado a fronteira com o Luxemburgo deixou de ter controlos, medida que será complementada com um levantamento de restrições nas fronteiras com a França, a Áustria e a Suíça. Segundo o ministro do Interior, Horst Seehofer, os controlos aleatórios deverão ser totalmente levantadas em 15 de junho, se as condições sanitárias o permitirem.

Noutra nota de esperança para uns e revolta para outros, o campeonato de futebol alemão regressa neste sábado, após dois meses de paragem. Segundo sondagens divulgadas pelos canais de TV ARD e ZDF, a maioria dos alemães discorda com o reatar da competição neste momento (56% na primeira e 62% na segunda).

Para já, e como acontece noutros países, o partido do governo (ou neste caso o partido principal da coligação) está a sair beneficiado. Segundo a última sondagem, a CDU de Angela Merkel obteria 38% dos votos, mais cinco pontos do que nas eleições. E vê o parceiro de coligação, o SPD, a cair para 15% sendo ultrapassado pelos Verdes, que duplicam em percentagem em relação às eleições, de 9% para 18%.

Despedimentos e falta de apoios

No mesmo dia em que foram divulgados os números da economia alemã, também foi revelado um exemplo das consequências do encerramento de setores: os grandes armazéns Karstadt Kaufhof vão fechar até 80 das suas 170 lojas.

A cadeia de distribuição com sede em Colónia registou perdas drásticas de vendas e entrou em processo de insolvência, o que pode custar na perda de até 5 mil postos de trabalho.

Numa carta enviada aos trabalhadores, o gestor nomeado pelo tribunal para gerir o grupo durante o processo de insolvência informou que a empresa teve perdas de 500 milhões de euros, um valor que prevê chegar aos mil milhões de euros.

Mas há muito mais. O líder mundial da indústria do turismo TUI planeia cortar 8 mil postos de trabalho.

Os trabalhadores independentes e em regime de colaboração, em especial os que trabalham nas artes queixam-se de falta de ajudas estatais. O jornal Welt am Sonntag, na semana passada, publicou o resultado de uma sondagem que estima em 2,1 milhões os alemães em risco de enfrentarem a ruína financeira.

"A ajuda de emergência só funciona de forma limitada", disse Dagmar Schmidt, presidente da Associação Federal de Artistas Plásticos (BBK), ao Rheinische Post. Explicou que em Berlim e na Renânia do Norte-Vestefália "o pote foi esvaziado rapidamente", pelo que só os primeiros a pedir ajuda financeira foram atendidos. Os outros receberam negativas por "razões técnicas".

Pior recessão em meio século

A maior economia europeia confirmou nesta sexta-feira uma queda de 2,2% na atividade no primeiro trimestre e espera um declínio anual de 6,3%.

Ao registar dois trimestres consecutivos com retrocesso do PIB, a Alemanha entrou tecnicamente em recessão. A perda começou antes da pandemia. Segundo o instituto de estatística Destatis, no quarto trimestre de 2019 o PIB alemão recuou 0,1%. Com a economia assente nas exportações, o país já estava a sofrer as consequências da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e pelas incertezas originadas pelo Brexit.

Em março, a produção industrial caiu 9,2%, algo que não se via desde 1991, apontou o Destatis. Para isso contribuiu a paralisia do setor automóvel. A montagem de veículos caiu 37,7% em março, em números anuais. Em abril, a Alemanha produziu 97% menos automóveis do que há um ano.

Nos transportes, a companhia aérea Lufthansa perde o equivalente a um milhão de euros por hora, em consequência da suspensão de quase todo o tráfego aéreo.

Por tudo isto e muito mais, segundo o Destatis, a economia alemã regista os "seus piores resultados desde a crise económica" de 2008-2009 e o "seu segundo pior resultado desde a reunificação" em 1990.

As medidas para conter a pandemia começaram no início de março, pelo que se prevê um agravamento de resultados negativos no segundo trimestre.

"As consequências da pandemia neste trimestre são graves", disse Albert Braakman, do Destatis, à imprensa.

Em ritmo anual, o PIB caiu 2,3%, de acordo com os dados corrigidos, ou seja, é a queda mais grave desde o segundo trimestre de 2009, no momento mais forte da crise financeira.

Para o segundo trimestre deste ano, os especialistas estimam que o PIB alemão possa cair 10% ao ano, algo nunca visto em 50 anos.

"Agora sabemos oficialmente o que custa um confinamento: em torno de 1% a 2% (do PIB) por semana", comentou Jens-Oliver Niklash, economista da LBBW.

Em 2020, a queda será de 6,3%, segundo cálculos do governo, ou seja, o pior resultado desde 1970.

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